domingo, 8 de novembro de 2009

"Tormenta no Bar"

Capítulo I


–Passe-me o conhaque Raimunda – disse Jamilson.

–É pra já!

–Traga-me também os salgados, que estão no forno.

–Está bem.

Ao canto do bar, três sujeitos a beberem cervejas em uma mesa retangular. Sobre a mesma, três garrafas, duas vazias e a outra pela metade. Ao ver Jamilson, um dos indivíduos berra:

–E a feijoada? Estou aqui faz séculos! – disse Bruno ao dono do bar.

–Está saindo – disse Jamilson calmamente.

O bar enchia cada vez mais! Fagner, que estava ao lado direito de Bruno, comendo-ia um ovo cozido; acompanhado de um geladíssimo copo de cerveja. Enquanto do lado oposto, estava Sanderson, a degustar uma coxinha de frango.

Num movimento automático, Sanderson pergunta ao Bruno:

–O Gilberto vem?

–Vem sim – disse Fagner respondendo pelo amigo, que estava destroçando furiosamente um
pastel de palmito.

–O Fernando e o Diego já devem estar por perto – disse Sanderson aos amigos.

Enquanto isso, no balcão, Raimunda servia os clientes; que estavam com os cotovelos apoiados no mesmo; a fumar cigarros de canela; deixando o ambiente ainda mais fétido. Raimunda passava pano úmido sobre a proteção de vidro, para tentar manter o bar limpo; e nem assim diminuía as impurezas do estabelecimento, que tinha as garrafas cobertas de poeiras; e os cantos das paredes; acumulando-ia teias de aranhas. Os banheiros então eram bem mais fétidos; também pudera; todos os fregueses usavam de maneira incorreta; ao invés de urinar na privada, o chão ou até mesmo a pia eram sempre as suas vítimas.

À portinhola de madeira que fica atrás do balcão, abre-se lentamente; e em seguida, surge um sujeito negro de avental branco encardido; pingando de suor e carregando uma enorme panela de feijoada. Deixou-a sobre a enorme pia de mármore branco, e passou uma toalhinha azul no rosto para secá-lo. Ao ver Jamilson no caixa, diz:

–Patrão, pode arrumar às tigelas, vou buscar a couve e o arroz.

–Está bem Rodrigo. Ah, traga também a farofa acebolada e da pimenta. E ande logo com as batatas fritas; os fregueses já estão impacientes.

–Sim senhor.

Na portinhola de madeira, surgem mais três fregueses: Gilberto, Carlinhos e Leandro. Gilberto é um sujeito magro, cabeludo e de poucas palavras. Leandro é carioca de Japeri, tem sotaque estranho de interiorano; é boa gente. Carlinhos é paraibano de João Pessoa; um homem de vida lenta; e que não vê o mundo real girar. Dedica sua vida aos jogos virtuais, e, dificilmente sai para ver o pôr-do-sol.

Enquanto Jamilson colocava nas tigelas à feijoada, crescendo-ia cada vez mais o movimento no bar; deixando-o ainda mais abafado.

Às moscas teimavam em aparecer nas mesas, porque deveras estavam sujas; meladas de restos de comida, porque Raimunda não passara o pano úmido. Rodrigo voltava da cozinha, a trazer o arroz, à couve e a farofa temperada com alho roxo e cebola.

Em uma enorme bandeja de alumínio, Raimunda levava oito tigelas de feijoada; deixando-as sobre a mesa, porque faltava Fernando e Diego, para completar a mesa. Ao pousar a outra bandeja de arroz e farofa na mesa retangular, via-se claramente o volume e a perfeição do seu corpo; mesmo com o enorme avental que lhe cobria. Lábios bem carnudos, cabelos longos até a cintura, olhos castanhos e um bumbum de dançarina de pagode!

Depois viera Rodrigo, trazendo batatas fritas, saladas, couve e pimenta. Vinha mais uma vez, transpirando sem parar, todo ensopado de suor:

–Aqui está às batatas e as saladas senhores – disse Rodrigo tirando a toalhinha úmida que
limpara o rosto anteriormente, para limpar a mesa ao lado.

–Traga-me uma Coca-cola de dois litros – disse Sanderson a Raimunda, que limpava agachada o chão do estabelecimento.

–Só um instante senhor.

–Tudo bem minha flor.

Raimunda saía com o cesto de lixo, pá e vassoura; na grande algazarra de clientes. A forte luz de nata iluminava o bar, que “estremecia” ao som da Bossa Nova! Ouvia-se o tilintar de copos, pratos, garrafas e talheres de metal. Raimunda voltava com os seios molhados de suor; deixando-a ainda mais atraente. Trouxera junto com a Coca-cola, uma jarra de gelo, porque o refrigerante não estava bem gelado.

Carlinhos, que estava ao lado de Leandro, disse:

–Essa Raimunda não é só boa de bunda hein!

–Mesmo com esse enorme vestido, esconde muita coisa – disse Fagner com um palito ao canto da boca.

–Eu não á dispenso! – disse Leandro, fumando prazerosamente um cigarro de hortelã.

–Ninguém aqui dispensa – completou Bruno, colocando um pouco mais de cerveja em seu copo.

–Eu dispenso – disse Gilberto, porque já era compromissado.

–Casar-me-ia com ela! – disse Sanderson, puxando do bolso um telefone celular.

–Porra! O Diego e o Fernando estão demorando muito – dissera Fagner, observando a beleza de Raimunda.

–Eles já estão aqui – disse Sanderson, apontando para entrada.
Ambos adentraram sorridentes, bem juntinhos; quase de mãos dadas, a reencontrar os amigos:

–Perdoem –me pela demora – disse Diego a todos – estava esperando o Fernando se arrumar.

–É pessoal, minha calça queimou no ferro de passar; esse foi o motivo do nosso atraso; perdemos alguma coisa? – perguntou Fernando, após a justificativa.

–Não – respondeu Bruno.

–Sentem-se – disse Gilberto para ambos, que permaneciam de pé.

–Não tem colher não? – indagou Fernando.

–Não sei – respondeu Leandro.

–O bar está cheio, dificilmente chegaremos ao balcão – disse Diego.

–Coma de garfo mesmo! – disse Sanderson.

–Eu não sei! – disse o pobre Fernando.

–O quê?! – espantou-se Diego inconformado.

Todos caíram na risada.

Fernando ficara corado, já estava arrependido de ter revelado o seu segredo; e, ironicamente, Sanderson diz:

–Se quiser, eu te ensino!

–Vai se lascar! – respondeu Fernando furioso.

Todos riam de se acabar, quase a deitarem no chão imundo! Fagner ria tão alto, que chamava a atenção dos clientes; pelo fato de estar quase sem fôlego, com as mãos na barriga, porque doía muito.

Após uma pequena pausa, Raimunda viera com três colheres. Uma era para Fernando, e as outras eram para a mesa ao lado. Após entregá-la ao Fernando, Fagner diz:

–Raimunda, ensine a este garoto – disse Fagner apontando para Fernando – a comer de garfo.
Todos riram um pouco mais, até a pobre mulher, que já estava exausta de tanto se movimentar. Pois bem.

Desgustando-iam à feijoada, alegres, num gosto sublime de tempero e perfeição! Ouvia-se a pressão do gás da Coca-cola, que fora aberta pelo Diego; de-li-ca-da-men-te.

Com a boca cheia de farofa, e garfo e faca em mãos, Bruno sorrindo-ia de contentamento; a estar vivendo um dia de glória com os amigos. Carlinhos separava as cascas de alho, que viera na couve, e lambia a boca do copo; aproveitando a cerveja até a última gota. Com a cara no prato e o peito sujo de caldo de feijão, Leandro chupava o ossinho; e, mordia o nervo algumas vezes, na esperança de extraí-lo. Diego colocara na boca, um pedaço enorme de linguiça; sem tirar os olhos do suculento prato! Fernando comia triste; porque soubera da morte do cãozinho de estimação. Fagner colocara um pouco mais de couve ao prato; para dar um pouco mais de gosto a refeição. E Sanderson derramava feijão sobre o arroz parboilizado, que deveras, estava bem temperado; assim como a feijoada.

Era sexta-feira, início das festividades de carnaval.

Curioso, Bruno pergunta ao Gilberto:

–Qual fantasia você usará amanhã?

–Não comprei fantasia – respondeu Gilberto pondo um pouco mais de pimenta ao prato.

–Eu vou sair de vaca – disse Carlinhos limpando os lábios com um pedaço de guardanapo.

–Eu vou sair de Demônio – disse Sanderson com um sorriso maquiavélico.

–Eu vou sair de Manjubinha – disse Fagner olhando algumas mulheres da mesa ao lado.

–Manjubinha? – perguntou Fernando sem entender o por quê.

–Vou sair de ninja – disse Diego alisando sua enorme barriga cabeluda.

–Tu de ninja? Ta de sacanagem! – ironizou Leandro.

–O que tem demais? – perguntou Bruno ao amigo.

–O que tem demais? Olhe pra isso! – disse Leandro ao Bruno e ao mesmo tempo, apontando para o pobre Diego.

Diego ficara calado e furioso, e disse na raiva suprema ao Leandro:

–Me pergunte qualquer coisa de Matemática que eu te respondo!

–?

Ficara apenas uma incógnita na cabeça de Leandro, não entendendo a loucura do amigo. Os outros ficaram sem entender Diego; que estava com muita raiva.

Para não “alimentar” a discussão, Bruno desviara o foco de ambos, e perguntara Fernando, se ele havia comprado a fantasia para o carnaval.

–Não, não comprei fantasias.

–Não gosta de carnaval Fernando?

–Não, não gosto de carnaval. Prefiro passar o restante do dia lendo ou aqui com vocês.

–Está certo – completou Gilberto puxando um maço de cigarros da maleta.

–Peça mais cervejas – disse Bruno ao Carlinhos.

–Raimunda! – bradou Sanderson antes de Carlinhos.

–Sim senhor. Pois não?

–Traga-me mais três cervejas meu anjo.



Capítulo II


E a mulher fora apressada em direção ao balcão, com uma bandeja de pratos vazios ao colo. Mas, um sujeito que fumava charuto na mesa central, a frente da mesa de sinuca, levantara-se de súbito; justamente no momento em que a pobre mulher passava. Jogara a bandeja involuntariamente para cima, causando um grande estrondo com a queda dos pratos; que despedaçavam ao caírem ao chão. Todos olharam assustados; Raimunda coitada estava pasma! Recolhia os cacos dos pratos e das garrafas, que também estavam sobre a bandeja. O sujeito, achando-se na “razão”, disse para pobre mulher:

–Sua estabanada! Preste mais atenção nas coisas sua tonta!

–Desculpe-me senhor, não foi minha intenção...

–Olhe! Você sujou toda a mesa! Sua vaca! – disse o sujeito mais enfurecido.

–Abaixe o tom da sua voz cavalheiro! – disse Bruno inconformado.

–Não se meta aqui babaca!

–Como é?! Você me chamou de babaca?

–Isso mesmo! E é melhor ficar aí quietinho como um cão manso hein!

–Deixe isso pra lá Bruno – disse Diego pondo as mãos no ombro do amigo e conduzindo-o de volta a mesa.

Aproximando-se de Raimunda, Sanderson lhe pergunta:

–Está tudo bem com você meu amor? – perguntou gentilmente.

–Está sim moço.

–Fique calma, não foi sua culpa, todos nós vimos claramente. Se houver qualquer problema, conte comigo e com os meus amigos.

–Obrigada moço.

E Raimunda voltava para o balcão, após jogar os cacos no lixo. Rodrigo viera em seu lugar trazer as cervejas, com seu péssimo hábito de suar o nariz na frente dos clientes; enquanto Raimunda conversava com Jamilson no balcão. Via-se claramente o nervosismo da pobre mulher, que estava mais branca que a nata do leite.

Os olhos da cabeça do boi, que estava presa na velha parede brilhavam com a forte claridade da luz do bar.

Enquanto isso, no lado de fora, três vira-latas olhavam à máquina de assar frango; famintos, a salivarem pela suculenta carne! Outros bares, bem mais modernos funcionavam com menos movimento; porque, mesmo com tanta tecnologia investida, não tinham tantos fregueses como Jamilson; que é considerado por eles o “O Demônio de Agostinho Porto”.
Raimunda voltava com duas bandejas de sardinhas fritas, a servir o grupo de amigos de Sanderson, enquanto na mesa central, o mesmo sujeito, que esbarrara na pobre mulher gritava desnecessariamente:

–Cadê o meu tira-gosto?

–Já está saindo – disse Jamilson lá do balcão; já impaciente com o homem que já falava muitos palavrões.

O sujeito da mesa central estava acompanhado de cinco amigos; todos conversavam tranquilos, fumando cigarros e jogando dama.

Raimunda trazia o tira-gosto até eles, após deixar uma das bandejas na mesa dos amigos de Sanderson, e, levava a outra ao sujeito; ainda amedrontada, pela arrogância do homem.

–Aqui está senhores – disse Raimunda gentilmente aos cavalheiros.

–Vem cá mulher – disse outro homem, que estava na mesma mesa.

–Pois não?

–O que eu faço para tê-la em meus braços?

Raimunda ficara corada, sem reação alguma; retirou-se rapidamente levantando a saia do vestido que arrastava no fétido chão.

Ao canto do bar, Fernando estava triste; sem saber por quê, e limpava o suor da testa com a toalhinha azul; que ganhara de lembrança da falecida mãe. Fagner sorria para Leandro, que contava uma anedota engraçadíssima! Bruno conversava com Sanderson, sem tirar os olhos do sujeito; que já estava a falar bobagens para as mulheres; enquanto Diego, Carlinhos e Gilberto ainda comiam prazerosamente!

–Deixe isso pra lá meu amigo – disse Sanderson ao Bruno, que pusera o copo na boca; para saborear a deliciosa cerveja espumante!

–É deixe isso de lado – completou Diego, que estava com um palito entre os dentes, para retirar os pedaços de carne-seca.

O copo de vinho do sujeito já estava pela metade. Era o quarto copo; e, degustava com os amigos as sardinhas fritas; as quais Raimunda trouxera. O sujeito já estava sofrendo com o efeito do álcool; e ficava cada vez mais abusado.

Quando Raimunda passava entre as mesas, o maldito homem esticara as pernas propositalmente; justamente na hora em que a pobre mulher passava; derrubando-a sobre o fétido chão.

–Sua louca! – gritou o sujeito novamente sem razão, pondo-se de pé.

Enfurecido, Sanderson levanta-se do banco para ajudar a pobre mulher novamente, que se levantava triste:

–Você está bem Raimunda? – perguntou Sanderson gentilmente à pobre mulher mais uma vez; segurando-lhe as mãos.

–Não senhor, meus joelhos estão doloridos!

–Sente-se Raimunda, aquele homem há de lhe pedir desculpas! – disse Sanderson puxando-lhe uma cadeira de uma mesa vaga, para pobre mulher.

Nervosa, e segurando as mãos de Sanderson, Raimunda lhe implora:

–Senhor Por favor, não faça nenhuma loucura! Deixe isso pra lá!

–Não Raimunda, você não merece isso.

E, retirou-se, dando-lhe um beijo na testa, indo em direção ao sujeito, pois, deteve-se; quando viu Bruno e Fagner defrontes ao grupo do sujeito:

–Peça desculpas! – disse Bruno com muita impaciência!

–Saia daqui! – disse outro homem de chapéu; que estava ao lado do individuo fumando cachimbo.

–Cale-se! – disse Fagner ao homem.

–Eu não vou pedir desculpas a essa ordinária!

–Veja lá como fala senhor! – disse Sanderson enfurecido com o sujeito, apontando-lhe o dedo.

–Eu falo o que eu quero falar! Já estou cheio de vocês!

E pegou uma das garrafas vazias de cerveja, e arremessou-a contra o Fagner, fazendo-a explodir em seu rosto.

Num movimento automático, Bruno dera-lhe um soco certeiro no rosto, derrubando-o sobre a mesa ao lado pelo forte impacto; porém, de súbito, outro homem de dentes podres quebrara uma cadeira nas costas de Bruno. Vendo ao longe o amigo debruçar-se ao chão, Sanderson pulou em uma das mesas; e da mesma voara com os pés; acertando o peito do sujeito, que fora parar embaixo da mesa de sinuca.

Preocupado com o amigo, Sanderson agachou-se para socorrê-lo; mas fora atingido fortemente na cabeça. Caíra inconsciente.

Raimunda via tudo aflita, não sabia o que fazer! Chorava de nervosismo! Estava trêmula na cadeira de madeira; segurando firme um crucifixo de madeira entre os seios.

A briga já estava generalizada. Voava pratos e cadeiras a todo instante. Leandro, que vigiava Bruno e Sanderson que estavam inconscientes olhava tudo como um “Demônio”, que conduz a pobre alma ao inferno! Carlinhos e Gilberto estavam trocando socos e cadeiradas juntos com o Fagner; que estava furioso; enquanto Diego e Fernando amedrontados, ficaram todo tempo embaixo das mesas.

De repente, surge um homem de cabelos grisalhos e vestido com o uniforme da policia, a abrir a portinhola. Bradou para que o tumulto parasse, mas, não teve sucesso. Vendo que não adiantava, sacou da cinta a arma, e efetuou um disparo para cima. Todos se assustaram; e o silêncio voltou a predominar no ambiente. Vendo o bar todo destruído pelo vandalismo, o homem pergunta:

–Ora, ora! Senhor Jamilson, pode me dizer quem começou o tumulto?

–Foi este senhor delegado.

–O que faz aqui Evandro? – perguntou o delegado ao sujeito.

O sujeito nem se aguentava de tão bêbado que estava. Evandro é justamente o sujeito causador de toda a tormenta!

–...

Não respondera uma só palavra ao delegado Simon, que conhece todos os envolvidos na tormenta; deixara apenas reticências!

–Vocês irão acompanhar-me até a delegacia – disse Simon a Evandro e seus amigos.
Após a calmaria, Raimunda aproxima-se de Sanderson, que já estava sentado em umas das cadeiras que sobraram no estabelecimento; com uma toalhinha branca na cabeça que estava ferida.

–O senhor está bem? – indagou Raimunda pondo as mãos calejadas no rosto de Sanderson.

–Sim, com você ao meu lado estou bem melhor! – disse Sanderson à Raimunda, que o abraçava com todo carinho.

No balcão, Jamilson lamentava os prejuízos causados pela tormenta; mas, todos que participaram da confusão, se comprometeram em arcar com parte dos prejuízos; que deveras, eram muitos.

–Fico muito feliz em saber disso – disse Jamilson com lágrimas nos olhos de contentamento “infinito”.

E, vendo Rodrigo limpando o fétido banheiro, ordenou-o imediatamente:

–Rodrigo, limpe tudo isto já!

–Mas, patrão eu...

–Raimunda está apavorada coitada! E além do mais, você não apareceu na hora da tormenta.

–Sim senhor – disse Rodrigo, transpirando bem menos que dantes.

–Vocês me decepcionaram! Nunca mais façam isso! – disse Leandro para Fernando e Diego; que na hora da tormenta, se abrigaram embaixo de uma das mesas.

O silêncio voltava a imperar no ambiente, ouviam-se apenas poucas vozes e restos de vidros quebrados; que eram varridos por Rodrigo, com uma velha vassoura de palhas secas. Todos aos poucos se retiravam do Bar do Jamilson, deixando-o ainda mais morto!

Jamilson surpreendentemente dispensa Raimunda, devido aos problemas que a pobre mulher sofrera no bar. Raimunda agradecia ao patrão beijando-lhe diversas vezes as mãos; enquanto Rodrigo varria furioso o chão impuro!

–Vamos para a minha casa senhor, você está sangrando muito! Venha comigo, eu cuido de você.
E, beijou-lhe a boca amorosamente, ao mesmo tempo acariciando-lhe o rosto.

–Melhor remédio que este não há! – disse Sanderson saindo de mãos dadas com Raimunda.
Levantou-se apoiando em uma das poucas mesas que permaneciam intactas; despediu-se dos amigos e fora embora com Raimunda.

Os outros também foram mais cedo, seguindo em direção as suas moradas!
O bairro de Agostinho Porto já dormia na noite enluarada; estava morto, literalmente morto; pela escuridão sombria...

Ouviam-se apenas zunidos de carros na Avenida Presidente Dutra; e alguns latidos dos cães insuportáveis que vagavam em plena madrugada; nas ruas mortas e desertas!
Após este terrível incidente, os amigos resolveram marcar encontros somente na praça, para evitar novos confrontos. Sanderson, três meses depois do incidente passou a morar com Raimunda; porém, não abandonou os amigos de infância! O Bar do Jamilson para todos eles, inclusive Raimunda, que pedira demissão; havia morrido; todos queriam esquecer aquele maldito “inferno” na Terra!

Um ano e meio depois da tormenta, o estabelecimento fora vendido para um pastor, que surpreendentemente transformara-o em igreja após quatro curtos meses. E dizem que dízimos não fazem milagres!

Com o dinheiro da venda, Jamilson pagou as contas ao Rodrigo e o restante que devia à Raimunda. Voltou a viver na velha fazenda de Miguel Couto, distante da cidade grande. Agora sossegado; somente a ouvir o canto dos pássaros; vendo os gados pastarem na enorme fazenda, deitado na relva marroquina; comprada no camelódromo da Uruguaiana. E, olhando para o lago, onde sua mãe Larissa costumava lhe dar banho, disse suas últimas palavras:
–Voltei para o lugar de onde nuca devia ter saído. Volto ao meu paraíso, onde estão as minhas boas recordações! Porém, fui feliz na cidade grande, onde fiz novas amizades. Vi que o mundo não é só vacas e galinhas, é bem mais que isso! Mas, é muito extenso, não quero continuar andando, quero apenas aproveitar meus últimos dias de vida nesta bela fazenda; bem longe da violência urbana!...


Encerrado em 25 de fevereiro de 2009.
Escrito por: Sanderson Vaz Dutra

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