domingo, 24 de janeiro de 2010

"Amor e Crime"

Amor e Crime




–Traga a farofa Raimundo – disse um dos fregueses.


–Está pronta João! – respondeu ao cliente – Vai uma caracu pra acompanhar caboclo?


–Sim! Coloque quatro ovos de codorna.


–Está bem. E você Walmir? O que vai querer? – perguntou Raimundo.


–Frango empanado com salada. E traga um guaraná natural e um copo com duas pedras de gelo –

disse Walmir limpando os talheres com guardanapo.


–Osmar! – bradou Raimundo na parte central do restaurante; enquanto recolhia os pratos usados por outros fregueses – Prepare um frango empanado no capricho pro nosso amigo Walmir.


–Sim senhor – respondeu Osmar, esticando o pescoço da pequena janela da cozinha do restaurante.


João comentava com Walmir, sobre uma secretária do doutor Pereira, que estava na empresa apenas duas semanas, e já estava ganhando à “confiança” do patrão:


–Agora “cê” vê meu amigo! Nós que “trabalha” há oito anos, não ganhamos nadinha de aumento – disse João.


–É moça bonita cabra! Aqui no Rio de Janeiro tem dessas coisas - respondeu Walmir. – É “troca de favores” homem!


Ambos pararam de falar por alguns instantes.


Ao fundo, surge Raimundo, com uma enorme bandeja de alumínio, trazendo a refeição de ambos:


–Prontinho – disse o homem colocando os pratos sobre a mesa – Já lhes trago a caracu e o guaraná João e Walmir.


–Tudo bem, nós esperamos – responderam ambos.


Walmir secava os talheres com papel toalha, enquanto João destroçava furiosamente um pedaço de carne-seca. Derramava o azeite português com graça sobre a salada fresca; que estava muito bem preparada por sinal. O caldo do feijão estava perfeito, inigualável, num toque impecável de alho roxo e pimenta do reino! A cada colherada dada por João, ouvia-se perfeitamente o tilintar do metal com os dentes; fato que incomodava e muito Walmir, porque tivera educação refinada; apesar de ser um homem de “baixa renda”.


Raimundo voltava nesse instante, trazendo uma linda taça cristalina, com o escudo do Flamengo na parte frontal, a servir a caracu de João, que o agradeceu com um simples gesto de cabeça; já que mastigava de boca aberta e cheia de farofa.


Walmir, mesmo com o uniforme da empresa de limpeza envergonhava-se ao comer com João. O diabo do homem parecia um porco no restaurante, só que, este porco tinha faca e colher. O indivíduo arrotara diversas vezes, como se fosse normal num local de respeito e extrema educação.


Perdendo a paciência, Walmir diz:


–O rapaz! Comporte-se! O prato não vai criar pernas e fugir não – disse Walmir.
João apenas olhava-o atônito, pasmado, porque nunca viu o amigo agir dessa maneira. O pobre homem ficara envergonhado, temia levar a colher novamente até a boca, com medo de ser novamente repreendido pelo amigo.


Walmir, vendo o constrangimento que causara ao amigo arrependeu-se:


–Desculpe-me João, fui muito arrogante contigo meu amigo. Nunca mais farei isso novamente – disse Walmir, mostrando claramente o arrependimento; pondo as mãos nos ombros do amigo.


–Tudo bem amigo – disse João, erguendo novamente a colher até a boca, e voltando a comer como dantes.


Tudo parecia estar tranqüilo agora, mas, eis que, repentinamente, surge o doutor Pereira e Laura; ambos de mãos dadas e sorridentes.


Vendo-os pelo reflexo do espelho do restaurante, Walmir diz em voz baixa:


–Olha que está aqui... Psiu! Disfarce.


João ainda olhava para o prato, mas logo vê a cena:


–Não morrem tão cedo... Escute: vamos filmar esse encontro!...


–Que ótima ideia!... – disse Walmir, puxando do bolso um aparelho celular.


–Vamos pegá-los com a boca na botija! – disse João eufórico.


Walmir pusera o aparelho de lado sobre a mesa, para não perder nenhum detalhe do encontro secreto. A câmera já estava ligada e, para sorte do homem, a bateria estava totalmente carregada. Tinha espaço o suficiente no cartão de memória; mais ou menos um giga e meio; já que o restante do espaço era ocupado por músicas, jogos e fotos.


Dr. Pereira e a secretária olhavam o cardápio, enquanto um garçom deixava-lhes de antemão, duas tigelas de pudim.


Walmir olhava pela tela do aparelho inconformado, e claro que, automaticamente se perguntou: “por que não ganhamos sobremesa?”. Porém, estava tão concentrado em obter informações, que não fizera questão de questionar o garçom.


Dr. Pereira deslizava livremente sua mão esquerda em uma das pernas da jovem, bem próximo a parte genital, enquanto na parte superior, usava os lábios para sentir seu gosto; era tudo que os pobres homens precisavam.


Raimundo vem com duas bandejas enormes, enquanto outro garçom trazia uma garrafa de vinho gaúcho; que vinha protegido numa enorme jarra de alumínio com gelo.


No visor do aparelho do Walmir, já havia seis minutos de filmagem, o suficiente para mudar de vez a vida de ambos. Parece pouco? Não! Para eles já é uma “gloria”!


Um sujeito adentra violentamente no restaurante, chamando a atenção de todos. Estava engravatado, bem vestido; porém, com o demônio nos olhos e no restante do corpo. Fora em direção ao Dr. Pereira e a secretária, e sacara rapidamente uma pistola cromada à prata; descarregando-a todos os projéteis nas vítimas. As capsulas voavam aleatoriamente; como “milhos de pipocas!” Ambos não tiveram tempo de reação; foram perfurados cruelmente pelas balas da arma de prata.


Já não havia mais ninguém no restaurante, somente as mesas e cadeiras reviradas, durante a correria.


O homem permanecia de pé, com a arma em punho para baixo, que ainda chorava fumaça de pólvora.


Não obstante, apontara a arma para cabeça, e sem temer a própria vida puxou o gatilho. No primeiro instante falhara; porque não havia mais munição. Pusera a mão no bolso, colocara um cartucho cheio, e em seguida, efetuou o disparo, aumentando ainda mais o número de vítimas fatais. No seu rosto, agora ensangüentado, via-se uma lágrima morta, que rolara até o chão empoçado de sangue.

O que presenciara a cena de brutalidade fora o celular, que permaneceu intacto, filmando toda a cena do crime bárbaro; esclarecido horas depois pela polícia.


O homem que matara o empresário era o namorado de Laura, que não aceitava a separação. Carlos, que era um jovem empresário, encontrara em Laura a essência do amor; o reinício do mundo, a “magia” das coisas!


Enfim, aprendera a amar, e amou tanto, que fora capaz de cometer este lamentável ato de loucura...