sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

"O Reencontro" - o último capítulo dos contos: "O Amor Ainda Existe" e "O Amor não Existe mais"

O campo agora era outro. Aromático, limpo, colorido e totalmente puro... Os ruídos deste campo eram fabulosos como uma canção de harpa, dedilhada por dedos femininos, suaves e quentes. O que se via agora era apenas a pureza da flor, das águas e das ninfas... O ar era tomado por uma tempestade de pétalas, que vagavam no ar como flocos de algodão.

Na terra fértil, flores e mais flores tremulavam com o delicado toque dos zéfiros. Ao profundo “infinito” da natureza, um pequeno lago transparente tremulava pequenas ondas com os passeios dos cisnes. A qualidade incolor da água permitia ver os peixes a olhos nus, que pulavam graciosamente de encontro à superfície; tal proeza que não se vê em qualquer lugar no mundo.

O pequeno Beija-flor se encanta com o novo mundo, repleto de belezas infinitas e castelos mitológicos. Seria o lendário Campos Elíseos? Ou apenas um mundo pós-Terra, para onde vão os não-pecadores?

Abre-se um horizonte verde, repleto de relevos equidistantes e algumas planícies. Num voo rasante, desce para matar a sede que o consumia; para repor as energias e reencontrar a mesma bela Flor, da qual se alimentara de seu néctar em outrora.
Sobrevoando o “novo paraíso”, via pedaços de algodões planarem rasantes, que se desprendiam das gigantescas árvores centenárias. A fauna acordava alegre; era visível isso claramente nos micos leões dourados, voando nos galhos tênues da savana divina.

Enfim, o astro rei surge discretamente, com seus raios dourados e penetrantes tocando o solo; atravessando as nuvens. Pequenas partículas de água, vindas das enormes cascatas celestiais, iluminadas pelo sol, evaporam-se no ar, resfriando o clima na região sagrada; criando o belíssimo arco-da-velha.

Num campo límpido próximo ao lago, flores rasteiras eram contempladas pelas borboletas, que brincavam alegres no parque natural. O Beija-flor voara talentosamente entre as borboletas; que congestionavam o caminho. Bailava no ar com delicadeza, graciosamente, tentando encontrar a Flor amada.

Não obstante, o clima mudou rapidamente. As nuvens rasteiras que ondulavam as montanhas aterrissavam o campo, cobrindo o sol pela metade. O pequenino Beija-flor refugiou-se para um galho duma pitangueira, e ali ficou. O céu chorava angelicalmente, com pequenos raios de luz, dando um toque colorido e divinal.
O pequeno príncipe de asas olhava para o céu manso, embora chuvoso. As gotas de prata banhavam-lhe o corpo como um calmante; e consequentemente diminuía sua angustiosa busca pela Flor desejada. O tempo intensificou-se ainda mais.
Relâmpagos clareavam os relevos opacos devido às sombras das nuvens negras, que vinham acompanhadas de raios e ventos moderados; o dia virou noite. O cheiro de água fresca era agradável, principalmente para as plantas, que esperavam por esse “banho divino”. O Beija-flor se sacolejava num galho tênue, esperando apenas o pequeno dilúvio passar.

O pequeno rio desaguava no lago a água da chuva, que descia tranquila e transparente. A tempestade diminuía rapidamente, as nuvens carregadas abriam caminho para o astro rei iluminar novamente a natureza; enquanto a leve brisa levava três folhas mortas. Os sapos saíam do lago para tomar ar, outros animais surgiam das tocas, era o fim da tempestade.

No topo das montanhas, em meio às rochas e a vegetação, uma linda Flor de beleza ímpar, cor azul e um perfume excepcional tremulava solitária em meio à neblina. Vivia isolada neste novo mundo, sem o seu amado Beija-flor. Foram muitos dias de solidão infinita. Sentia-se insegura, não podia se defender dos predadores naturais; esperava apenas a morte. Porém, nunca perdera as esperanças de reencontrá-lo.
Quando os raios do sol tocaram as montanhas, a sombra do Beija-flor, que parecia surgir do sol, lhe cobria por inteira. Enfim, após longos e longos dias, acontece “o reencontro”. Pode enfim degustar do néctar, se perder nas folhas perfumadas. Era o início de uma nova era, nasceria naquele local sublime “o mundo perfeito”; sem a presença do homem.

Seis meses depois, a Flor morre naturalmente, porém, suas folhas serviram de acalanto para o Beija-flor. Construiu um ninho, para abrigar seu filhote, fruto de um novo amor platônico que surgira casualmente; do mesmo modo que ocorrera com o seu primeiro grande amor: a bela Flor de folhas azuis...

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Um Dia Antes da Morte"

Estar num leito de hospital sabendo que você tem apenas vinte e quatro horas de vida não é fácil. Por isso resolvi desobedecer às orientações médicas e passear pela cidade.

De que adianta de tanto dinheiro, sabendo que morrerei em menos de vinte e quatro horas, de uma doença rara que a medicina não conseguiu identificar?
Quero ao menos ver as coisas belas que cercam este meu pequeno mundo antes de morrer, ver este jardim repleto de flores e as crianças nadarem no lago, olhar o palhaço tirando um sorrido de uma menina pobre, solitária num canto, numa situação incomum diante das outras. Chamei-a para um passeio, aliás, meu último passeio.
No meio do caminho, comprei dois sorvetes, o meu era de creme, o dela de morango. Por curiosidade, perguntei:

-Por que você está sozinha? Quantos anos você tem?

-Eu não tenho família. Vivo nas ruas. Tenho oito anos.

-Você tem parente?

-Não.

Abri um leve sorriso, vi que antes da minha morte poderia fazer alguém feliz:

-Você quer ter uma família? Tenho uma filha maravilhosa que pode ser sua irmã.

-Então o eu vou ganhar uma irmã? O senhor vai ser meu papai?

Estas últimas palavras foram dolorosas:

-Eu queria filha, mas não posso.

-Por que não.

Nossa! A curiosidade das crianças parecem não ter limites:

-Porque o papai do céu “tá” lá encima me esperando.

-Então eu vou com você. Quero conhecer o papai do céu.

Eu não esperava palavras sentimentais tão fortes de uma menina de oito anos, confesso que daria qualquer coisa para ver o futuro dela:

-Escute querida – enxuguei uma das lágrimas, e continuei: – qual o seu nome?

-Sabrina.

-Que nome bonito! Eu me chamo Alberto. Sabrina, papai do céu me chamou porque ele quer que eu more nas nuvens. Ainda está muito cedo para você conhecer o papai do céu.

-Mas eu queria ver ele. Minha amiga me disse, que a mamãe e o papai estão lá. Eu quero ver o papai e a mamãe.

É duro mentir para as crianças, mas é necessário:

-Está vendo aquela nuvenzinha lá no céu? Seus pais estão lá de olho em você, e me pediu para levar você para passear. Lembra do sorvete de morango? Foi mamãe que mandou comprar pra você. O papai pediu que eu te desse uma família. Você quer ter irmã e mãe?

Sabrina olhou-me desconfiada, mas aceitou.

-Quero.

-Vamos tomar um banho quando chegarmos a sua casa nova. Lá tem muitos brinquedos.

-Oba!

Atravessei à principal e entramos no apartamento. O relógio de ponteiro do Francisco marcava 18h30min, restava-me apenas seis das minhas 24h. A porta estava aberta, todos estavam preocupados pelo meu sumiço:

-Pai! Estávamos preocupadas! Por onde o senhor andou?

-Estava cuidado desta menininha Sara, onde está a Laura?

-No quarto. Quem é esta menina?

-É uma curta história. Chame sua mãe Sara, quero conversar com vocês...

-Alberto! Por onde andou? Procurei-te no hospital o dia inteiro! Quem é esta anjinha? – perguntou enfim Laura, acariciando os cabelos da menina?

-Sabrina, nossa nova princesinha.

-Ai que gracinha! Vem cá, vou te dar um brinquedinho – Sara levou Sabrina até o quarto, deixando a sóis Laura e Alberto.

-Só tenho mais quatro horas e meia de vida. Quero lhe fazer um último pedido Laura.

-Claro meu amor! Qual?

-Quero que cuidem dessa menina como se ela fosse nossa segunda filha. Vocês (Laura e Sara) têm que conhecê-la! Ela é uma criança maravilhosa! Sabe Laura, por alguns momentos esqueci até que tinha apenas algumas horas de vida.

-Você e sua sensibilidade hein – brincou Laura.

-É. As mentes das crianças são incríveis! Parecem estar mais evoluídas!

-Elas são mais espertas Alberto, não são como outrora.

-Como queria ter conhecido antes a Sabrina! Bem, já estou indo...

-Espera Alberto! Não vai se despedir das meninas?

-Claro meu bem, mas não sei se terei forças para suportar.

Já estava respirando com dificuldades, porém, fiz um esforço para esconder tudo delas. Subir os degraus foi um martírio, algo tão simples tornou-se um inferno. A porta do quarto estava encostada, Sara lia um livro de contos para prova da faculdade, e Sabrina dormia como uma princesinha:

-Sara.

Era a última vez que falava com minha filha, vi a tristeza através dos seus olhos.

-Pai...

Doeu demais ver Sara aos prantos diante dos meus olhos, fato tão forte que tirou lágrimas de Laura. A duas abraçaram-me forte, beijaram meu rosto diversas vezes. Era o que precisava para encarar a morte: calor humano. Surpreendentemente, sinto uma pequena criatura abraçar minhas pernas. Adivinha quem era? Sabrina. Desatei por uns segundos de Laura e Sara, e peguei Sabrina no colo e disse:

-Sabrina, eu sou o seu anjo da guarda! Vou voltar para junto dos seus pais. A Laura será a sua mamãe, e a Sara a sua irmã. Promete respeitá-las?

-Prometo.

-Lembra daquela nuvenzinha que vimos hoje?

-Lembro.

-Pois é? Amanhã estarei lá. Escute Sabrina: vou morar no céu, mas você tem que prometer não chorar tá?

-Tá... Mas vou sentir sua falta.

-Eu também vou sentir sua falta. Seja forte! Você tem que cuidar da Sara e da Laura! Principalmente da Laura. Adeus minhas princesas. Estarei naquela nuvem branca Sabrina! Se quiser falar comigo, converse com as aves, que irão voar até lá só para levar sua mensagem.

Dei um beijo de despedida em cada uma delas, e voltei para o hospital. Até que o último dia antes da minha morte não foi ruim, adorei conhecer Sabrina, a pureza da criança é mesmo um mistério! Que lugar triste! Está tão escuro... Acho que chegou a hora... A hora da minha morte.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Natália

Minha vida mudou depois que minha princesinha veio ao mundo. Natália, minha primeira e única filha é portadora de Síndrome de Down, distúrbio genético, mongolismo, que afeta parcialmente algumas pessoas. Eis a minha coisa fofa, minha razão de viver, após um trágico acidente aéreo que levara minha esposa Eleonora, que nos olha do céu. Fora numa viagem a Londres, a negócios da empresa publicitária a qual trabalhara. Ah meu bem, dar-te-ia minha vida, só para vê-las juntas. Desculpem-me leitores, por umedecer essas folhas de caderno, é um sentimento incontrolável. Perdoem minha fraqueza.

Natália convivera comigo por curtos três anos, porque meu ex-sogro achou “por bem” tirá-la de mim. Eu não tinha recursos financeiros, ao contrário do avô de Natália. Hoje sofro sem minha pequena, apenas vejo pequenas lembranças como o álbum de fotos, nós três sorridentes: Natália, Eleonora e eu. Pontadas e mais pontadas que nunca acaba, cada vez que vejo as imagens dessas duas santas. Não sei se é normal sentir tal sentimento, ou se é mesmo o princípio de loucura que me afeta.

A única coisa que me restou foi o pequeno Rex, um vira lata que encontrei na rua. Rex agora é o meu único amigo, já que moro sozinho no interior. Os poucos momentos de felicidades que tenho, é sempre com ele; porém, não supera de longe a ausência da minha Natália.

Numa ocasião, estava a beira do igarapé, vendo o tremular das águas levando algumas pétalas de rosa desatadas por mim. Eu apenas via minha imagem distorcida misturada com o azul do céu e poucas nuvens; todavia, era impossível esquecer a dor, de ter que viver bem longe de Natália. Queria entender por que as pessoas tiram a felicidade de outras em troca de capital, ignorando o amor paterno. Vi ali toda a minha fé “cair” no riacho e desaguar cachoeira a baixo, mostrando-me claramente que nem tudo que queremos depende de crenças, e sim de nós mesmos. Sentei a beira do riacho, pus a cabeça entre os joelhos, solucei ainda mais forte.

Senti algo úmido e quente tocar meu rosto, era o meu único amigo naquele momento de tristeza sem fim: Rex. Ergui-me com espanto, mas, vendo o pobre cãozinho, senti que aquele animal queria me confortar de alguma forma. Retribui com um leve afago em sua cabeça, e ele “agradeceu” abanando o rabo e erguendo as orelhas.

Após três meses, Rex veio a falecer, e com aquele animal se foi minha felicidade. Pus-me a choramingar pelos cantos do mundo, procurando respostas para minha dor incurável; e percebi que não iria encontrar a cura tão cedo. Por que os Deuses me condenam? Por que tive tantas perdas em tão pouco tempo? Não me lembro de nenhum pecado, e muito menos de promessa não-cumprida.

Três anos mais tarde, conheceria Christina, minha namora de Faculdade. Vivíamos a mais perfeita felicidade, num ambiente livre e harmônico. Contei pra ela toda a minha dor nesses últimos meses, compreendeu-me perfeitamente, prometendo ser fiel a mim até o fim da sua vida.

Christina foi meu berço, sentia-me como se estivesse no colo da minha querida mamãe, que Deus a tenha.

Dois anos depois.

Uma carta chega com urgência. Era da empregada do meu ex-sogro, que tinha a mim como destinatário. Abri-a levemente, e vi que estava escrita era de caneta preta, provavelmente bic. Tinha uns garranchos, mas dava para compreender perfeitamente a mensagem. Desdobrei o papel, e iniciei a leitura: “Caro senhor Tavares, o Dr. Tácio Braga faleceu nesta manhã de terça-feira, 18 de setembro de 2009. Como a pequena Natália é sua filha e única parente do falecido, solicitamos sua presença ao enterro do nosso patrão. Atenciosamente Larissa”.

-Aí meu Deus! Vou poder ver minha filha novamente! Obrigado meu senhor! Estou tão feliz!

Pus-me a desaguar em prantos sobre uma pequena mesa de centro, soluçando cada vez mais forte. Christina veio até mim, e consolou-me amavelmente. Quando achei que tudo estava perdido, veio esta mensagem de “esperança”; provando-me que eu estava errado.
No dia seguinte, após longos três anos sem poder ver minha filha, enfim pude abraçá-la:

-Minha fofa...

-“Bai...”

Ouvir a voz suave de Natália ecoar agradavelmente em meus ouvidos, era tudo, tudo que faltava para a minha felicidade incompleta; que se contemplava neste momento. Christina olhava-nos com alegria, e não se contendo veio nos abraçar também. Larissa observava-nos de longe com um leve sorriso, lembrando-nos do enterro. Desculpamos-nos.

Foi tudo muito rápido no cemitério São João Batista, na zona sul, no bairro de Botafogo, havia menos de 30 pessoas, Tácio tinha poucos amigos. O seu único companheiro mesmo era apenas o dinheiro, não dava a mínima atenção para Natália. Tirou-a de mim só por prazer, só para ver meu sofrimento interminável. Não desejava sua morte, porém, não posso ser hipócrita; e confesso: chegou na hora certa. Perdoe-me Deus, por este pensamento diabólico, mas foi o que senti naquele momento.
Antes de sair, fui até a catacumba de Eleonora, vê-la mais uma vez. Christina apalpava meu rosto, enquanto Natália, ainda sem compreender o significado da morte, brincava inocentemente em volta do túmulo da mãe, correndo atrás das pombinhas, como se estivesse num parque de diversões. Pus um buquê de flores, e junto delas, uma velha foto da nossa união matrimonial. Ainda era dia, o sol mal despertava detrás das montanhas da Urca, e deixamos aquele local que me trás boas lembranças; por mais que seja medonho.

Já no trânsito, quando íamos para Copacabana, minha princesinha pergunta-me; sempre com a voz arrastada:

-“Bai”, “gadê” o Rex?

-Filha – disse pegando-a no colo – Rex tá no céu, foi brincar com Deus.

-Mas... Eeeu “guero” “bringar” “gom” ele...

-Olha meu bem – disse já com o coração partido – quando papai do céu chama, é pra sempre.

Natália fez cara de choro, e não demorou muito para os seus olhinhos cor de café se transbordarem. Doía mentir para minha pequena, mas era necessário. Por mais que eu dissesse a verdade, ela jamais entenderia. Ela tem apenas seis primaverinhas.

-Chegamos – disse Christina, estacionando o carro bem próximo da orla.

Caminhamos em direção a o mar que estava bem manso, porém, a sujeira na areia era lamentável. Sentamo-nos num quiosque, bem próximo a estátua de Carlos Drummond de Andrade, pedimos água de coco. Natália me preocupava, ainda estava triste com a ausência de Rex; fui até ela:

-Vem com papai. Tá vendo aquela nuvenzinha lá, perto da gaivota? É o Rex, ele está de olho em você.

-É?

-É sim. E sabe o que ele disse antes de partir?

-Não. O “gue” ele disse “babai?”

Abri um sorriso, vi que estava no caminho certo; e disse:

-Pra você ser forte meu bem! Pra você cuidar do papai, que precisa e muito de você.

-Ele vai ficar com a mamãe?

-Sim filha, Rex foi encontrar mamãe, e pediu pra você ficar aqui comigo ta? Senão papai fica dodói. Se você for, quem vai dar o beijinho no papai pra sarar? Hã? Filha, Christina pode ser sua mamãe?

-“Bode”.

-Ai que fofa... – disse Christina, brotando-lhe duas lágrimas de alegria.
Após todos esses tormentos, longos anos se passaram. Minha filha continua linda, e segue firme na faculdade, decidiu ser veterinária. Já eu e Christina, vivemos da renda dos nossos imóveis, aqui mesmo na zona sul, e sempre que podemos, visitamos crianças com câncer no INCA (Instituto Nacional do Câncer), e levamos alguns brinquedos. Agora é quase impossível de nos reencontrarmos como nos velhos tempos, devido a vários contratempos, como o emprego de Natália, no Pet Shop, e a nossa idade: refiro a mim e Christina.

Quando a maré baixar, vamos fazer como nos velhos tempos: reunir toda família, como já foi em outrora, e relembrando as melhores lembranças dos nossos entes queridos. Enquanto esse momento não chega, fico da sacada, olhando o imenso oceano, vendo as ondas se chocar nas rochas do Forte de Copacabana...

domingo, 24 de janeiro de 2010

"Amor e Crime"

Amor e Crime




–Traga a farofa Raimundo – disse um dos fregueses.


–Está pronta João! – respondeu ao cliente – Vai uma caracu pra acompanhar caboclo?


–Sim! Coloque quatro ovos de codorna.


–Está bem. E você Walmir? O que vai querer? – perguntou Raimundo.


–Frango empanado com salada. E traga um guaraná natural e um copo com duas pedras de gelo –

disse Walmir limpando os talheres com guardanapo.


–Osmar! – bradou Raimundo na parte central do restaurante; enquanto recolhia os pratos usados por outros fregueses – Prepare um frango empanado no capricho pro nosso amigo Walmir.


–Sim senhor – respondeu Osmar, esticando o pescoço da pequena janela da cozinha do restaurante.


João comentava com Walmir, sobre uma secretária do doutor Pereira, que estava na empresa apenas duas semanas, e já estava ganhando à “confiança” do patrão:


–Agora “cê” vê meu amigo! Nós que “trabalha” há oito anos, não ganhamos nadinha de aumento – disse João.


–É moça bonita cabra! Aqui no Rio de Janeiro tem dessas coisas - respondeu Walmir. – É “troca de favores” homem!


Ambos pararam de falar por alguns instantes.


Ao fundo, surge Raimundo, com uma enorme bandeja de alumínio, trazendo a refeição de ambos:


–Prontinho – disse o homem colocando os pratos sobre a mesa – Já lhes trago a caracu e o guaraná João e Walmir.


–Tudo bem, nós esperamos – responderam ambos.


Walmir secava os talheres com papel toalha, enquanto João destroçava furiosamente um pedaço de carne-seca. Derramava o azeite português com graça sobre a salada fresca; que estava muito bem preparada por sinal. O caldo do feijão estava perfeito, inigualável, num toque impecável de alho roxo e pimenta do reino! A cada colherada dada por João, ouvia-se perfeitamente o tilintar do metal com os dentes; fato que incomodava e muito Walmir, porque tivera educação refinada; apesar de ser um homem de “baixa renda”.


Raimundo voltava nesse instante, trazendo uma linda taça cristalina, com o escudo do Flamengo na parte frontal, a servir a caracu de João, que o agradeceu com um simples gesto de cabeça; já que mastigava de boca aberta e cheia de farofa.


Walmir, mesmo com o uniforme da empresa de limpeza envergonhava-se ao comer com João. O diabo do homem parecia um porco no restaurante, só que, este porco tinha faca e colher. O indivíduo arrotara diversas vezes, como se fosse normal num local de respeito e extrema educação.


Perdendo a paciência, Walmir diz:


–O rapaz! Comporte-se! O prato não vai criar pernas e fugir não – disse Walmir.
João apenas olhava-o atônito, pasmado, porque nunca viu o amigo agir dessa maneira. O pobre homem ficara envergonhado, temia levar a colher novamente até a boca, com medo de ser novamente repreendido pelo amigo.


Walmir, vendo o constrangimento que causara ao amigo arrependeu-se:


–Desculpe-me João, fui muito arrogante contigo meu amigo. Nunca mais farei isso novamente – disse Walmir, mostrando claramente o arrependimento; pondo as mãos nos ombros do amigo.


–Tudo bem amigo – disse João, erguendo novamente a colher até a boca, e voltando a comer como dantes.


Tudo parecia estar tranqüilo agora, mas, eis que, repentinamente, surge o doutor Pereira e Laura; ambos de mãos dadas e sorridentes.


Vendo-os pelo reflexo do espelho do restaurante, Walmir diz em voz baixa:


–Olha que está aqui... Psiu! Disfarce.


João ainda olhava para o prato, mas logo vê a cena:


–Não morrem tão cedo... Escute: vamos filmar esse encontro!...


–Que ótima ideia!... – disse Walmir, puxando do bolso um aparelho celular.


–Vamos pegá-los com a boca na botija! – disse João eufórico.


Walmir pusera o aparelho de lado sobre a mesa, para não perder nenhum detalhe do encontro secreto. A câmera já estava ligada e, para sorte do homem, a bateria estava totalmente carregada. Tinha espaço o suficiente no cartão de memória; mais ou menos um giga e meio; já que o restante do espaço era ocupado por músicas, jogos e fotos.


Dr. Pereira e a secretária olhavam o cardápio, enquanto um garçom deixava-lhes de antemão, duas tigelas de pudim.


Walmir olhava pela tela do aparelho inconformado, e claro que, automaticamente se perguntou: “por que não ganhamos sobremesa?”. Porém, estava tão concentrado em obter informações, que não fizera questão de questionar o garçom.


Dr. Pereira deslizava livremente sua mão esquerda em uma das pernas da jovem, bem próximo a parte genital, enquanto na parte superior, usava os lábios para sentir seu gosto; era tudo que os pobres homens precisavam.


Raimundo vem com duas bandejas enormes, enquanto outro garçom trazia uma garrafa de vinho gaúcho; que vinha protegido numa enorme jarra de alumínio com gelo.


No visor do aparelho do Walmir, já havia seis minutos de filmagem, o suficiente para mudar de vez a vida de ambos. Parece pouco? Não! Para eles já é uma “gloria”!


Um sujeito adentra violentamente no restaurante, chamando a atenção de todos. Estava engravatado, bem vestido; porém, com o demônio nos olhos e no restante do corpo. Fora em direção ao Dr. Pereira e a secretária, e sacara rapidamente uma pistola cromada à prata; descarregando-a todos os projéteis nas vítimas. As capsulas voavam aleatoriamente; como “milhos de pipocas!” Ambos não tiveram tempo de reação; foram perfurados cruelmente pelas balas da arma de prata.


Já não havia mais ninguém no restaurante, somente as mesas e cadeiras reviradas, durante a correria.


O homem permanecia de pé, com a arma em punho para baixo, que ainda chorava fumaça de pólvora.


Não obstante, apontara a arma para cabeça, e sem temer a própria vida puxou o gatilho. No primeiro instante falhara; porque não havia mais munição. Pusera a mão no bolso, colocara um cartucho cheio, e em seguida, efetuou o disparo, aumentando ainda mais o número de vítimas fatais. No seu rosto, agora ensangüentado, via-se uma lágrima morta, que rolara até o chão empoçado de sangue.

O que presenciara a cena de brutalidade fora o celular, que permaneceu intacto, filmando toda a cena do crime bárbaro; esclarecido horas depois pela polícia.


O homem que matara o empresário era o namorado de Laura, que não aceitava a separação. Carlos, que era um jovem empresário, encontrara em Laura a essência do amor; o reinício do mundo, a “magia” das coisas!


Enfim, aprendera a amar, e amou tanto, que fora capaz de cometer este lamentável ato de loucura...

sábado, 28 de novembro de 2009

Preso em uma cadeira de rodas

Preso em Uma Cadeira de rodas


Em uma pequena vila fechada, num condomínio de luxo em Copacabana, crianças brincavam alegremente no parquinho particular, descendo no escorregador, girando nas xícaras gigantes, pulando cordas e outras andando de bicicleta no pátio. Os mais velhos jogavam futebol na quadra de grama sintética; enquanto às mulheres jogavam vôlei, na outra quadra ao lado. Alguns idosos ficavam a jogar baralho, nas mesinhas de concreto, observando as crianças e o restante do ambiente pacífico.

Já na piscina, mulheres de todas as idades, banhavam-se a todo instante, com objetivo de livrar-se um pouco do forte calor que não dava tréguas. Cadeiras de praias espalhadas por toda parte, para que todas pudessem se acomodar.

Na portaria, um menino observava tudo, ao lado do porteiro, que estava ao seu lado. Seu nome era Carlos, carioca de Saracuruna, vivia sempre alegre; mesmo na cadeira de rodas, ao lado de Jonas, seu amigo de sempre. Nas horas vagas, Jonas parava para conversar com Carlos:

–Olá Carlinhos! – disse Jonas ao amigo.

–Oi seu Jonas.


–Hoje você está calado, o que houve?

–Nada, estou vendo aquelas crianças brincarem – disse Carlinhos com um enorme sorriso nos lábios.

–Ah! – observou Jonas admirado.

–Eu queria ser como elas – disse Carlos baixando tristemente a cabeça.

–É meu amigo, a vida tem dessas coisas, eu não sei o que te dizer...

–Tudo bem Jonas, a vida já é o suficiente. Deus me concebeu-a, e devo aproveitá-la da melhor maneira – disse Carlinhos com lágrimas de alegria nos olhos.

–É sim meu amigo, devemos sim.

–Está de folga hoje Jonas?

–Sim.

–Vamos à praia?

–Vamos.

E ambos saíram de felizes, principalmente Carlinhos, que adorava ver as ondas do mar!

Via as pessoas caminharem na orla, e sentia o ar fresco da praia. Parou no calçadão com Jonas, e ficou a olhar as crianças brincarem na areia. Estava com as mãozinhas apoiadas nos joelhos, sorrindo, vendo as outras crianças brincarem. A sua alegria era sempre ver o mar, e não perdia nenhuma das oportunidades que tivera.

Jonas olhava-o com admiração, pela paciência de ali estar a ver o mar! Algumas aves sobrevoavam o limpo céu azul, deixando o jovem Carlinhos admirado. Imaginava-se voando com as mesmas, sentindo a brisa do ar desmanchando-se em seu corpo; vendo tudo lá de cima, que se passa cá embaixo.

Jonas sentou-se ao lado de Carlinhos, ambos a olhar o imenso mar, pensando nas injustiças do mundo, e sentindo o ar puro da natureza. Com os olhos cravados no mar, Carlinhos perguntou:

-Qual é o seu maior sonho Jonas?

-Comprar uma casa própria, sair do aluguel e dá uma vida melhor para os meus filhos.
Carlinhos continuava a olhar o mar, esperando que Jonas lhe fizesse a mesma pergunta, mas, fez questão de dizer ao amigo o seu maior sonho:

-Sabe qual é o meu maior sonho? – perguntou Carlinhos a Jonas.

-Não, qual é o seu maior sonho?

Carlinhos ficou contente, porque esperava a mesma pergunta do amigo; e teve-a. Feliz, Carlinhos respondeu:

-Ver as pessoas felizes, a paz no mundo, o fim das guerras religiosas, o fim da desigualdade, um mundo próspero, ruas bem cuidadas, pessoas educadas, vê as praias limpas, queria apenas um mundo justo para todos.

Jonas olhava-o com muito espanto, vendo-o com os olhos fixos no mar, sorridente, feliz por estar vivendo mais um dia de vida. Calinhos gostava muito de conversar, isso quando podia, porque vivia sempre trancado no quarto da tia.

Olhando o tremular das ondas, Carlinhos fala com o amigo:

-Olhe aquele garoto engraxando o sapato daquele homem, está perdendo sua infância!

-É a necessidade filho, obriga muitas pessoas a trabalhar cedo. Com ele não é diferente. Você sabe com quantos anos comecei a trabalhar? Onze, com apenas onze anos, já trabalhava no canavial.

Carlinhos ficou calado a olhar para o imenso mar de Copacabana, e refletiu um pouco sobre o que o amigo Jonas falara com ele, e disse; sem tirar os olhos do oceano:

-A vida tem dessas coisas. As injustiças sempre aparecem. Poucos nascem com muitos; e muitos nascem com muito pouco. Isso é inevitável, sempre haverá desigualdades.
E coçava as pernas frágeis, olhando para o céu que estava completamente azul.

Um helicóptero sobrevoava rasante o mar, para um resgate urgente.

-O Que está acontecendo? – perguntou uma senhora, que estava a beira do calçadão.

-Eu não sei – disse Jonas.

-Há uma menina desaparecida! Ela sumiu no mar já faz uns vinte minutos – disse um camelô.

-Ela está morta – disse Carlinhos.

-Como? – indagou Jonas.

-Eu já disse! Ela está morta – disse mais uma vez Carlinhos; com a voz dolorida e os olhos afogados em lágrimas.

Todos olharam para o mar, e viram a cena trágica: o corpo da menina boiando em pleno mar da zona sul.

Depois desse dia, Carlinhos prometeu nunca mais ir a praia, e exilou-se no pátio do condomínio, voltando a sua velha rotina: vendo as crianças brincarem no pátio...


Encerrado em 28 de novembro de 2009.

Autor: Sanderson Vaz Dutra.

domingo, 8 de novembro de 2009

"Tormenta no Bar"

Capítulo I


–Passe-me o conhaque Raimunda – disse Jamilson.

–É pra já!

–Traga-me também os salgados, que estão no forno.

–Está bem.

Ao canto do bar, três sujeitos a beberem cervejas em uma mesa retangular. Sobre a mesma, três garrafas, duas vazias e a outra pela metade. Ao ver Jamilson, um dos indivíduos berra:

–E a feijoada? Estou aqui faz séculos! – disse Bruno ao dono do bar.

–Está saindo – disse Jamilson calmamente.

O bar enchia cada vez mais! Fagner, que estava ao lado direito de Bruno, comendo-ia um ovo cozido; acompanhado de um geladíssimo copo de cerveja. Enquanto do lado oposto, estava Sanderson, a degustar uma coxinha de frango.

Num movimento automático, Sanderson pergunta ao Bruno:

–O Gilberto vem?

–Vem sim – disse Fagner respondendo pelo amigo, que estava destroçando furiosamente um
pastel de palmito.

–O Fernando e o Diego já devem estar por perto – disse Sanderson aos amigos.

Enquanto isso, no balcão, Raimunda servia os clientes; que estavam com os cotovelos apoiados no mesmo; a fumar cigarros de canela; deixando o ambiente ainda mais fétido. Raimunda passava pano úmido sobre a proteção de vidro, para tentar manter o bar limpo; e nem assim diminuía as impurezas do estabelecimento, que tinha as garrafas cobertas de poeiras; e os cantos das paredes; acumulando-ia teias de aranhas. Os banheiros então eram bem mais fétidos; também pudera; todos os fregueses usavam de maneira incorreta; ao invés de urinar na privada, o chão ou até mesmo a pia eram sempre as suas vítimas.

À portinhola de madeira que fica atrás do balcão, abre-se lentamente; e em seguida, surge um sujeito negro de avental branco encardido; pingando de suor e carregando uma enorme panela de feijoada. Deixou-a sobre a enorme pia de mármore branco, e passou uma toalhinha azul no rosto para secá-lo. Ao ver Jamilson no caixa, diz:

–Patrão, pode arrumar às tigelas, vou buscar a couve e o arroz.

–Está bem Rodrigo. Ah, traga também a farofa acebolada e da pimenta. E ande logo com as batatas fritas; os fregueses já estão impacientes.

–Sim senhor.

Na portinhola de madeira, surgem mais três fregueses: Gilberto, Carlinhos e Leandro. Gilberto é um sujeito magro, cabeludo e de poucas palavras. Leandro é carioca de Japeri, tem sotaque estranho de interiorano; é boa gente. Carlinhos é paraibano de João Pessoa; um homem de vida lenta; e que não vê o mundo real girar. Dedica sua vida aos jogos virtuais, e, dificilmente sai para ver o pôr-do-sol.

Enquanto Jamilson colocava nas tigelas à feijoada, crescendo-ia cada vez mais o movimento no bar; deixando-o ainda mais abafado.

Às moscas teimavam em aparecer nas mesas, porque deveras estavam sujas; meladas de restos de comida, porque Raimunda não passara o pano úmido. Rodrigo voltava da cozinha, a trazer o arroz, à couve e a farofa temperada com alho roxo e cebola.

Em uma enorme bandeja de alumínio, Raimunda levava oito tigelas de feijoada; deixando-as sobre a mesa, porque faltava Fernando e Diego, para completar a mesa. Ao pousar a outra bandeja de arroz e farofa na mesa retangular, via-se claramente o volume e a perfeição do seu corpo; mesmo com o enorme avental que lhe cobria. Lábios bem carnudos, cabelos longos até a cintura, olhos castanhos e um bumbum de dançarina de pagode!

Depois viera Rodrigo, trazendo batatas fritas, saladas, couve e pimenta. Vinha mais uma vez, transpirando sem parar, todo ensopado de suor:

–Aqui está às batatas e as saladas senhores – disse Rodrigo tirando a toalhinha úmida que
limpara o rosto anteriormente, para limpar a mesa ao lado.

–Traga-me uma Coca-cola de dois litros – disse Sanderson a Raimunda, que limpava agachada o chão do estabelecimento.

–Só um instante senhor.

–Tudo bem minha flor.

Raimunda saía com o cesto de lixo, pá e vassoura; na grande algazarra de clientes. A forte luz de nata iluminava o bar, que “estremecia” ao som da Bossa Nova! Ouvia-se o tilintar de copos, pratos, garrafas e talheres de metal. Raimunda voltava com os seios molhados de suor; deixando-a ainda mais atraente. Trouxera junto com a Coca-cola, uma jarra de gelo, porque o refrigerante não estava bem gelado.

Carlinhos, que estava ao lado de Leandro, disse:

–Essa Raimunda não é só boa de bunda hein!

–Mesmo com esse enorme vestido, esconde muita coisa – disse Fagner com um palito ao canto da boca.

–Eu não á dispenso! – disse Leandro, fumando prazerosamente um cigarro de hortelã.

–Ninguém aqui dispensa – completou Bruno, colocando um pouco mais de cerveja em seu copo.

–Eu dispenso – disse Gilberto, porque já era compromissado.

–Casar-me-ia com ela! – disse Sanderson, puxando do bolso um telefone celular.

–Porra! O Diego e o Fernando estão demorando muito – dissera Fagner, observando a beleza de Raimunda.

–Eles já estão aqui – disse Sanderson, apontando para entrada.
Ambos adentraram sorridentes, bem juntinhos; quase de mãos dadas, a reencontrar os amigos:

–Perdoem –me pela demora – disse Diego a todos – estava esperando o Fernando se arrumar.

–É pessoal, minha calça queimou no ferro de passar; esse foi o motivo do nosso atraso; perdemos alguma coisa? – perguntou Fernando, após a justificativa.

–Não – respondeu Bruno.

–Sentem-se – disse Gilberto para ambos, que permaneciam de pé.

–Não tem colher não? – indagou Fernando.

–Não sei – respondeu Leandro.

–O bar está cheio, dificilmente chegaremos ao balcão – disse Diego.

–Coma de garfo mesmo! – disse Sanderson.

–Eu não sei! – disse o pobre Fernando.

–O quê?! – espantou-se Diego inconformado.

Todos caíram na risada.

Fernando ficara corado, já estava arrependido de ter revelado o seu segredo; e, ironicamente, Sanderson diz:

–Se quiser, eu te ensino!

–Vai se lascar! – respondeu Fernando furioso.

Todos riam de se acabar, quase a deitarem no chão imundo! Fagner ria tão alto, que chamava a atenção dos clientes; pelo fato de estar quase sem fôlego, com as mãos na barriga, porque doía muito.

Após uma pequena pausa, Raimunda viera com três colheres. Uma era para Fernando, e as outras eram para a mesa ao lado. Após entregá-la ao Fernando, Fagner diz:

–Raimunda, ensine a este garoto – disse Fagner apontando para Fernando – a comer de garfo.
Todos riram um pouco mais, até a pobre mulher, que já estava exausta de tanto se movimentar. Pois bem.

Desgustando-iam à feijoada, alegres, num gosto sublime de tempero e perfeição! Ouvia-se a pressão do gás da Coca-cola, que fora aberta pelo Diego; de-li-ca-da-men-te.

Com a boca cheia de farofa, e garfo e faca em mãos, Bruno sorrindo-ia de contentamento; a estar vivendo um dia de glória com os amigos. Carlinhos separava as cascas de alho, que viera na couve, e lambia a boca do copo; aproveitando a cerveja até a última gota. Com a cara no prato e o peito sujo de caldo de feijão, Leandro chupava o ossinho; e, mordia o nervo algumas vezes, na esperança de extraí-lo. Diego colocara na boca, um pedaço enorme de linguiça; sem tirar os olhos do suculento prato! Fernando comia triste; porque soubera da morte do cãozinho de estimação. Fagner colocara um pouco mais de couve ao prato; para dar um pouco mais de gosto a refeição. E Sanderson derramava feijão sobre o arroz parboilizado, que deveras, estava bem temperado; assim como a feijoada.

Era sexta-feira, início das festividades de carnaval.

Curioso, Bruno pergunta ao Gilberto:

–Qual fantasia você usará amanhã?

–Não comprei fantasia – respondeu Gilberto pondo um pouco mais de pimenta ao prato.

–Eu vou sair de vaca – disse Carlinhos limpando os lábios com um pedaço de guardanapo.

–Eu vou sair de Demônio – disse Sanderson com um sorriso maquiavélico.

–Eu vou sair de Manjubinha – disse Fagner olhando algumas mulheres da mesa ao lado.

–Manjubinha? – perguntou Fernando sem entender o por quê.

–Vou sair de ninja – disse Diego alisando sua enorme barriga cabeluda.

–Tu de ninja? Ta de sacanagem! – ironizou Leandro.

–O que tem demais? – perguntou Bruno ao amigo.

–O que tem demais? Olhe pra isso! – disse Leandro ao Bruno e ao mesmo tempo, apontando para o pobre Diego.

Diego ficara calado e furioso, e disse na raiva suprema ao Leandro:

–Me pergunte qualquer coisa de Matemática que eu te respondo!

–?

Ficara apenas uma incógnita na cabeça de Leandro, não entendendo a loucura do amigo. Os outros ficaram sem entender Diego; que estava com muita raiva.

Para não “alimentar” a discussão, Bruno desviara o foco de ambos, e perguntara Fernando, se ele havia comprado a fantasia para o carnaval.

–Não, não comprei fantasias.

–Não gosta de carnaval Fernando?

–Não, não gosto de carnaval. Prefiro passar o restante do dia lendo ou aqui com vocês.

–Está certo – completou Gilberto puxando um maço de cigarros da maleta.

–Peça mais cervejas – disse Bruno ao Carlinhos.

–Raimunda! – bradou Sanderson antes de Carlinhos.

–Sim senhor. Pois não?

–Traga-me mais três cervejas meu anjo.



Capítulo II


E a mulher fora apressada em direção ao balcão, com uma bandeja de pratos vazios ao colo. Mas, um sujeito que fumava charuto na mesa central, a frente da mesa de sinuca, levantara-se de súbito; justamente no momento em que a pobre mulher passava. Jogara a bandeja involuntariamente para cima, causando um grande estrondo com a queda dos pratos; que despedaçavam ao caírem ao chão. Todos olharam assustados; Raimunda coitada estava pasma! Recolhia os cacos dos pratos e das garrafas, que também estavam sobre a bandeja. O sujeito, achando-se na “razão”, disse para pobre mulher:

–Sua estabanada! Preste mais atenção nas coisas sua tonta!

–Desculpe-me senhor, não foi minha intenção...

–Olhe! Você sujou toda a mesa! Sua vaca! – disse o sujeito mais enfurecido.

–Abaixe o tom da sua voz cavalheiro! – disse Bruno inconformado.

–Não se meta aqui babaca!

–Como é?! Você me chamou de babaca?

–Isso mesmo! E é melhor ficar aí quietinho como um cão manso hein!

–Deixe isso pra lá Bruno – disse Diego pondo as mãos no ombro do amigo e conduzindo-o de volta a mesa.

Aproximando-se de Raimunda, Sanderson lhe pergunta:

–Está tudo bem com você meu amor? – perguntou gentilmente.

–Está sim moço.

–Fique calma, não foi sua culpa, todos nós vimos claramente. Se houver qualquer problema, conte comigo e com os meus amigos.

–Obrigada moço.

E Raimunda voltava para o balcão, após jogar os cacos no lixo. Rodrigo viera em seu lugar trazer as cervejas, com seu péssimo hábito de suar o nariz na frente dos clientes; enquanto Raimunda conversava com Jamilson no balcão. Via-se claramente o nervosismo da pobre mulher, que estava mais branca que a nata do leite.

Os olhos da cabeça do boi, que estava presa na velha parede brilhavam com a forte claridade da luz do bar.

Enquanto isso, no lado de fora, três vira-latas olhavam à máquina de assar frango; famintos, a salivarem pela suculenta carne! Outros bares, bem mais modernos funcionavam com menos movimento; porque, mesmo com tanta tecnologia investida, não tinham tantos fregueses como Jamilson; que é considerado por eles o “O Demônio de Agostinho Porto”.
Raimunda voltava com duas bandejas de sardinhas fritas, a servir o grupo de amigos de Sanderson, enquanto na mesa central, o mesmo sujeito, que esbarrara na pobre mulher gritava desnecessariamente:

–Cadê o meu tira-gosto?

–Já está saindo – disse Jamilson lá do balcão; já impaciente com o homem que já falava muitos palavrões.

O sujeito da mesa central estava acompanhado de cinco amigos; todos conversavam tranquilos, fumando cigarros e jogando dama.

Raimunda trazia o tira-gosto até eles, após deixar uma das bandejas na mesa dos amigos de Sanderson, e, levava a outra ao sujeito; ainda amedrontada, pela arrogância do homem.

–Aqui está senhores – disse Raimunda gentilmente aos cavalheiros.

–Vem cá mulher – disse outro homem, que estava na mesma mesa.

–Pois não?

–O que eu faço para tê-la em meus braços?

Raimunda ficara corada, sem reação alguma; retirou-se rapidamente levantando a saia do vestido que arrastava no fétido chão.

Ao canto do bar, Fernando estava triste; sem saber por quê, e limpava o suor da testa com a toalhinha azul; que ganhara de lembrança da falecida mãe. Fagner sorria para Leandro, que contava uma anedota engraçadíssima! Bruno conversava com Sanderson, sem tirar os olhos do sujeito; que já estava a falar bobagens para as mulheres; enquanto Diego, Carlinhos e Gilberto ainda comiam prazerosamente!

–Deixe isso pra lá meu amigo – disse Sanderson ao Bruno, que pusera o copo na boca; para saborear a deliciosa cerveja espumante!

–É deixe isso de lado – completou Diego, que estava com um palito entre os dentes, para retirar os pedaços de carne-seca.

O copo de vinho do sujeito já estava pela metade. Era o quarto copo; e, degustava com os amigos as sardinhas fritas; as quais Raimunda trouxera. O sujeito já estava sofrendo com o efeito do álcool; e ficava cada vez mais abusado.

Quando Raimunda passava entre as mesas, o maldito homem esticara as pernas propositalmente; justamente na hora em que a pobre mulher passava; derrubando-a sobre o fétido chão.

–Sua louca! – gritou o sujeito novamente sem razão, pondo-se de pé.

Enfurecido, Sanderson levanta-se do banco para ajudar a pobre mulher novamente, que se levantava triste:

–Você está bem Raimunda? – perguntou Sanderson gentilmente à pobre mulher mais uma vez; segurando-lhe as mãos.

–Não senhor, meus joelhos estão doloridos!

–Sente-se Raimunda, aquele homem há de lhe pedir desculpas! – disse Sanderson puxando-lhe uma cadeira de uma mesa vaga, para pobre mulher.

Nervosa, e segurando as mãos de Sanderson, Raimunda lhe implora:

–Senhor Por favor, não faça nenhuma loucura! Deixe isso pra lá!

–Não Raimunda, você não merece isso.

E, retirou-se, dando-lhe um beijo na testa, indo em direção ao sujeito, pois, deteve-se; quando viu Bruno e Fagner defrontes ao grupo do sujeito:

–Peça desculpas! – disse Bruno com muita impaciência!

–Saia daqui! – disse outro homem de chapéu; que estava ao lado do individuo fumando cachimbo.

–Cale-se! – disse Fagner ao homem.

–Eu não vou pedir desculpas a essa ordinária!

–Veja lá como fala senhor! – disse Sanderson enfurecido com o sujeito, apontando-lhe o dedo.

–Eu falo o que eu quero falar! Já estou cheio de vocês!

E pegou uma das garrafas vazias de cerveja, e arremessou-a contra o Fagner, fazendo-a explodir em seu rosto.

Num movimento automático, Bruno dera-lhe um soco certeiro no rosto, derrubando-o sobre a mesa ao lado pelo forte impacto; porém, de súbito, outro homem de dentes podres quebrara uma cadeira nas costas de Bruno. Vendo ao longe o amigo debruçar-se ao chão, Sanderson pulou em uma das mesas; e da mesma voara com os pés; acertando o peito do sujeito, que fora parar embaixo da mesa de sinuca.

Preocupado com o amigo, Sanderson agachou-se para socorrê-lo; mas fora atingido fortemente na cabeça. Caíra inconsciente.

Raimunda via tudo aflita, não sabia o que fazer! Chorava de nervosismo! Estava trêmula na cadeira de madeira; segurando firme um crucifixo de madeira entre os seios.

A briga já estava generalizada. Voava pratos e cadeiras a todo instante. Leandro, que vigiava Bruno e Sanderson que estavam inconscientes olhava tudo como um “Demônio”, que conduz a pobre alma ao inferno! Carlinhos e Gilberto estavam trocando socos e cadeiradas juntos com o Fagner; que estava furioso; enquanto Diego e Fernando amedrontados, ficaram todo tempo embaixo das mesas.

De repente, surge um homem de cabelos grisalhos e vestido com o uniforme da policia, a abrir a portinhola. Bradou para que o tumulto parasse, mas, não teve sucesso. Vendo que não adiantava, sacou da cinta a arma, e efetuou um disparo para cima. Todos se assustaram; e o silêncio voltou a predominar no ambiente. Vendo o bar todo destruído pelo vandalismo, o homem pergunta:

–Ora, ora! Senhor Jamilson, pode me dizer quem começou o tumulto?

–Foi este senhor delegado.

–O que faz aqui Evandro? – perguntou o delegado ao sujeito.

O sujeito nem se aguentava de tão bêbado que estava. Evandro é justamente o sujeito causador de toda a tormenta!

–...

Não respondera uma só palavra ao delegado Simon, que conhece todos os envolvidos na tormenta; deixara apenas reticências!

–Vocês irão acompanhar-me até a delegacia – disse Simon a Evandro e seus amigos.
Após a calmaria, Raimunda aproxima-se de Sanderson, que já estava sentado em umas das cadeiras que sobraram no estabelecimento; com uma toalhinha branca na cabeça que estava ferida.

–O senhor está bem? – indagou Raimunda pondo as mãos calejadas no rosto de Sanderson.

–Sim, com você ao meu lado estou bem melhor! – disse Sanderson à Raimunda, que o abraçava com todo carinho.

No balcão, Jamilson lamentava os prejuízos causados pela tormenta; mas, todos que participaram da confusão, se comprometeram em arcar com parte dos prejuízos; que deveras, eram muitos.

–Fico muito feliz em saber disso – disse Jamilson com lágrimas nos olhos de contentamento “infinito”.

E, vendo Rodrigo limpando o fétido banheiro, ordenou-o imediatamente:

–Rodrigo, limpe tudo isto já!

–Mas, patrão eu...

–Raimunda está apavorada coitada! E além do mais, você não apareceu na hora da tormenta.

–Sim senhor – disse Rodrigo, transpirando bem menos que dantes.

–Vocês me decepcionaram! Nunca mais façam isso! – disse Leandro para Fernando e Diego; que na hora da tormenta, se abrigaram embaixo de uma das mesas.

O silêncio voltava a imperar no ambiente, ouviam-se apenas poucas vozes e restos de vidros quebrados; que eram varridos por Rodrigo, com uma velha vassoura de palhas secas. Todos aos poucos se retiravam do Bar do Jamilson, deixando-o ainda mais morto!

Jamilson surpreendentemente dispensa Raimunda, devido aos problemas que a pobre mulher sofrera no bar. Raimunda agradecia ao patrão beijando-lhe diversas vezes as mãos; enquanto Rodrigo varria furioso o chão impuro!

–Vamos para a minha casa senhor, você está sangrando muito! Venha comigo, eu cuido de você.
E, beijou-lhe a boca amorosamente, ao mesmo tempo acariciando-lhe o rosto.

–Melhor remédio que este não há! – disse Sanderson saindo de mãos dadas com Raimunda.
Levantou-se apoiando em uma das poucas mesas que permaneciam intactas; despediu-se dos amigos e fora embora com Raimunda.

Os outros também foram mais cedo, seguindo em direção as suas moradas!
O bairro de Agostinho Porto já dormia na noite enluarada; estava morto, literalmente morto; pela escuridão sombria...

Ouviam-se apenas zunidos de carros na Avenida Presidente Dutra; e alguns latidos dos cães insuportáveis que vagavam em plena madrugada; nas ruas mortas e desertas!
Após este terrível incidente, os amigos resolveram marcar encontros somente na praça, para evitar novos confrontos. Sanderson, três meses depois do incidente passou a morar com Raimunda; porém, não abandonou os amigos de infância! O Bar do Jamilson para todos eles, inclusive Raimunda, que pedira demissão; havia morrido; todos queriam esquecer aquele maldito “inferno” na Terra!

Um ano e meio depois da tormenta, o estabelecimento fora vendido para um pastor, que surpreendentemente transformara-o em igreja após quatro curtos meses. E dizem que dízimos não fazem milagres!

Com o dinheiro da venda, Jamilson pagou as contas ao Rodrigo e o restante que devia à Raimunda. Voltou a viver na velha fazenda de Miguel Couto, distante da cidade grande. Agora sossegado; somente a ouvir o canto dos pássaros; vendo os gados pastarem na enorme fazenda, deitado na relva marroquina; comprada no camelódromo da Uruguaiana. E, olhando para o lago, onde sua mãe Larissa costumava lhe dar banho, disse suas últimas palavras:
–Voltei para o lugar de onde nuca devia ter saído. Volto ao meu paraíso, onde estão as minhas boas recordações! Porém, fui feliz na cidade grande, onde fiz novas amizades. Vi que o mundo não é só vacas e galinhas, é bem mais que isso! Mas, é muito extenso, não quero continuar andando, quero apenas aproveitar meus últimos dias de vida nesta bela fazenda; bem longe da violência urbana!...


Encerrado em 25 de fevereiro de 2009.
Escrito por: Sanderson Vaz Dutra

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

"A Dançarina"

A Dançarina


Uma mulher dançava caprichosamente num bar tradicional de Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, sobre uma enorme mesa de granito bem polido. A beleza e sensualidade do seu corpo envolviam os homens facilmente; pela elegância e perfeição de sua habilidade corporal. Suas pernas eram absurdamente grossas, os seios extremamente exagerados; tanto é que, os sutiãs que usava durante os shows arrebentavam com frequencia.

Quando isso acontecia jogava para os homens que enlouqueciam ainda mais, com aquela peça íntima. Colocava às mãos para tapar os seios, somente para fazer “suspense”; pois, logo tirava as mãos, porque fazia parte do show! Somente de calcinha, agachava-se com o dedo indicador na boca; a tirar o fôlego dos homens com a sua ousada apresentação. Acariciava uns, enquanto outros depositavam notas de alto valor em sua calcinha; eram recompensados com beijos ou “abençoados” com o calor dos seus seios enormes!

Quando o show terminava, muitos pediam numero de telefone, e-mail e convites mais ousados. Descia da enorme mesa com a ajuda dos seguranças, que de quando em vez tinham um árduo trabalho para conter os mais exaltados.

Vestia o enorme casaco ao entrar no camarim, e era sempre bem recepcionada pelas companheiras de trabalho, e logo seguia para o banheiro, para tirar o suor do corpo e purificar-se com a água pura e cristalina. De banho tomado, pegava carona com uma das amigas; que morava no mesmo bairro. Iam bem descontraídas como de costume, beirando o fantástico litoral carioca, vendo as ondas estourar violentamente nas enormes rochas da praia de São Conrado!

Já estavam em Botafogo, após vinte e dois minutos de trânsito livre. Passavam pela praia de Botafogo, já muito poluída pelos excessos extremos de lixos jogados pelos próprios banhistas.

O céu já estava claro, o trânsito era excelente, também pudera: era um dia de sábado. O veiculo entrava em uma pequena vila com algumas dezenas de casas, e às “guerreiras da noite” descem; e seguem num pequeno corredor estreito. A dona do carro entra na casa 20, já a outra entra na casa 28.

A mulher da casa 28 entra com muita cautela, para não acordar os filhos, que dormiam profundamente; a sonhar com os anjos! O menino de sete anos de vida usava uma toca azul; de um famoso personagem de desenho animado. A menina tinha poucos meses de vida, estava no berço de madeira, com alguns bichinhos de pelúcia. Deu beijo de bom dia nas crianças; e foi descansar. Estava exausta, porque trabalhou a noite inteira; queria apenas algumas horas de descanso.

Dormiu pouco, porque foi acordada pela algazarra dos vizinhos. Foi acordada pelas crianças que brincavam no pátio da vila. Abriu os olhos e deparou-se com o ventilador de teto que estava desligado; quando repentinamente uma borboleta adentra no quarto; a pousar em uma das suas dezenas de plantas.

Alegrou-se um pouco com a bela cena que via, levantou para preparar o café da manhã.
Jaime estava na sala jogando vídeo game, Pâmela ainda dormia de bruços. Quando viu a mãe passar pela sala, pausou o jogo, e correu para abraçá-la:

-Mamãe!

-Oi filho! Cuidou de sua Irmã?

-Sim!

-Como foi o dia na escola?

-Foi chato – disse Jaime fazendo cara feia.

-Por que filho? – perguntou a mãe curiosa.

-Porque a tia Talita não deixou ninguém brincar no computador – disse Jaime triste.

A mãe apenas olhava o filho triste, sem expressar nenhuma palavra. Sentia-se culpada por não ter condições de comprar um computador para o filho, que tanto lhe ajuda cuidando da irmã. Segurando firme uma das mãos de Jaime a mãe diz:

-Filho, quando a mamãe puder, compra um só pra você e para Pâmela. Mamãe está se esforçando filho, pra cuidar de você e sua irmã. Vou preparar a mamadeira da Pâmela.

-Eu sei mamãe, eu espero.

-Vem cá filho.

A mãe chamou o pequeno Jaime, abraçou-o com todo cuidado; e disse palavras dolorosas:

-Filho, se papai estivesse aqui, não estaríamos passando por tudo isso. Sinto todo santo dia a falta dele; e sei que você sente mais ainda. Mas, temos de ser fortes, resistir, lutar filho, lutar sempre. Conto contigo meu bem, você agora é o homem da casa! Perdoe-me filho, de colocá-lo nesta situação tão difícil!

A mãe chorava compulsivamente nos pequenos braços do filho, que naquele momento não fazia
ideia do sofrimento eterno da mãe.

-Mãe to com fome – disse o pequeno Jaime sem maldade.

-Mamãe vai preparar o chocolate pra você meu filho – disse indo em direção a cozinha; ainda sonolenta.

Jaime gostava muito de chocolate ao leite, e a pequena Pâmela, era alimentada somente com leite puro. Pegou um bule velho de alumínio, pusera três xícaras e meia de água para ferver; e colocou um pouco de pó de café no coador de pano.

Ainda cedo, mais ou menos 09h45min ou 10h15min da manhã. Foi até o banheiro lavar o rosto e escovar os dentes, enquanto a água fervia.

O dia passava lento, o ruido do som da televisão lhe causava estresse, mas o barulho da água que caía da torneira da pia fazia-lhe bem; porque se imaginava com os filhos em uma bela cachoeira! Porém, esta rápida reflexão trazia-lhe saudades de outros tempos.
Por um momento lembrou-se do companheiro que lhe deixara alguns meses atrás. Foi um belo dia de verão, Elisa estava grávida de Pâmela, Jaime tinha seis anos.

Estavam de férias em um belíssimo paraíso ecológico na região serrana, a degustar da vida; a banharem-se na lindíssima cachoeira! Paulo, companheiro de Elisa, estava brincando com o pequeno Jaime, nas leves correntezas da cachoeira. Paulo tinha dez anos a mais que Elisa, sua fiel companheira. A relação entre eles era fantástica, nunca brigavam, estavam sempre de bem um com outro.

Todos faziam um pequeno lanche no jardim que beirava a cachoeira, quando repentinamente ouviram um estrondo enorme; vindo das rochas gigantescas. Ao olharem para cima, viram pedras enormes rolarem das imensas montanhas; e correram apavorados para um local seguro.
Todos estavam salvos, e descansavam em um local seguro. Mas, uma mulher que estava na multidão gritava desesperada pela filha. Vendo o desespero da mãe Paulo correra novamente em direção ao perigo natural. Elisa assistia tudo de longe, vendo o marido atravessar a cachoeira rochosa, que estava quase intransitável. Num pequeno descuido de Paulo, uma das rochas tremera levemente; fazendo-o escorregar bruscamente. Ficou preso entre as rochas, com um ferimento grave na cabeça; que estava sedenta de sangue.

A fatalidade fora tão rápida, que nem dera tempo de Elisa buscar ajuda. Isso porque viera em seguida uma fortíssima avalanche de água.

Elisa viu tudo aquilo, ao lado do filho Jaime, sem poder fazer nada, porque estava grávida de Pâmela. O pequeno Jaime chorava, chorava, chorava... Porém, nem mesmo as lágrimas de uma criança são capazes de salvar uma vida nessas circunstâncias.

A cachoeira transbordava rapidamente, engolindo-o por completo. Paulo sumiu em meio às correntezas. Aquela foi à última vez que, Elisa e Jaime viram Paulo, que morrera nas fortíssimas correntezas da mãe natureza, que estava em fúria!

A água toca levemente o fogo, fazendo um pequeno ruido e despertando-a daquela terrível lembrança de tempos de outrora. Pusera mais uma xícara no bule, para enchê-lo um pouco mais.

Pâmela acordou chorando de fome, Jaime ainda jogava na sala enquanto Elisa fazia o café da manhã. Levou a mamadeira para a filha, e pediu ao filho que vigiasse a irmã. Ainda estava sonolenta, mas o aroma do café lhe fazia bem, o cheiro estava agradável! Colocou apenas meia colher de açúcar na xícara, e derramou lentamente o liquido negro, que deveras estava bem forte.

Com Pâmela no colo, sentou-se no sofá da sala a olhar para janela, e ver o lindo dia de Sol. Pronto, estava novamente com os filhos; na sua paz sublime, a olhar para as suas crias; e lembrar-se das boas recordações que tivera em outros bons tempos!

Elisa não é somente dançarina, é também, mãe e pai de família, que sustenta os filhos a todo custo. Sua profissão é vistas por muitas pessoas como prostituição. Porém, essa foi à única maneira que encontrou para sustentar os filhos. E escolheu essa, pelo alto valor financeiro que a mesma lhe proporciona.

É dessa forma que ela sustenta os filhos, e não tem vergonha, porque também é uma profissão. Independentemente da profissão, e muito menos para que os outros pensavam, Elisa estava satisfeita; vendo o sorriso estampado no rosto das crianças; isso era o mais importante: ver a felicidade dos filhos; e nada mais...

Encerrado em 13 de agosto de 2009
Escrito por: Sanderson Vaz Dutra.