sábado, 28 de novembro de 2009

Preso em uma cadeira de rodas

Preso em Uma Cadeira de rodas


Em uma pequena vila fechada, num condomínio de luxo em Copacabana, crianças brincavam alegremente no parquinho particular, descendo no escorregador, girando nas xícaras gigantes, pulando cordas e outras andando de bicicleta no pátio. Os mais velhos jogavam futebol na quadra de grama sintética; enquanto às mulheres jogavam vôlei, na outra quadra ao lado. Alguns idosos ficavam a jogar baralho, nas mesinhas de concreto, observando as crianças e o restante do ambiente pacífico.

Já na piscina, mulheres de todas as idades, banhavam-se a todo instante, com objetivo de livrar-se um pouco do forte calor que não dava tréguas. Cadeiras de praias espalhadas por toda parte, para que todas pudessem se acomodar.

Na portaria, um menino observava tudo, ao lado do porteiro, que estava ao seu lado. Seu nome era Carlos, carioca de Saracuruna, vivia sempre alegre; mesmo na cadeira de rodas, ao lado de Jonas, seu amigo de sempre. Nas horas vagas, Jonas parava para conversar com Carlos:

–Olá Carlinhos! – disse Jonas ao amigo.

–Oi seu Jonas.


–Hoje você está calado, o que houve?

–Nada, estou vendo aquelas crianças brincarem – disse Carlinhos com um enorme sorriso nos lábios.

–Ah! – observou Jonas admirado.

–Eu queria ser como elas – disse Carlos baixando tristemente a cabeça.

–É meu amigo, a vida tem dessas coisas, eu não sei o que te dizer...

–Tudo bem Jonas, a vida já é o suficiente. Deus me concebeu-a, e devo aproveitá-la da melhor maneira – disse Carlinhos com lágrimas de alegria nos olhos.

–É sim meu amigo, devemos sim.

–Está de folga hoje Jonas?

–Sim.

–Vamos à praia?

–Vamos.

E ambos saíram de felizes, principalmente Carlinhos, que adorava ver as ondas do mar!

Via as pessoas caminharem na orla, e sentia o ar fresco da praia. Parou no calçadão com Jonas, e ficou a olhar as crianças brincarem na areia. Estava com as mãozinhas apoiadas nos joelhos, sorrindo, vendo as outras crianças brincarem. A sua alegria era sempre ver o mar, e não perdia nenhuma das oportunidades que tivera.

Jonas olhava-o com admiração, pela paciência de ali estar a ver o mar! Algumas aves sobrevoavam o limpo céu azul, deixando o jovem Carlinhos admirado. Imaginava-se voando com as mesmas, sentindo a brisa do ar desmanchando-se em seu corpo; vendo tudo lá de cima, que se passa cá embaixo.

Jonas sentou-se ao lado de Carlinhos, ambos a olhar o imenso mar, pensando nas injustiças do mundo, e sentindo o ar puro da natureza. Com os olhos cravados no mar, Carlinhos perguntou:

-Qual é o seu maior sonho Jonas?

-Comprar uma casa própria, sair do aluguel e dá uma vida melhor para os meus filhos.
Carlinhos continuava a olhar o mar, esperando que Jonas lhe fizesse a mesma pergunta, mas, fez questão de dizer ao amigo o seu maior sonho:

-Sabe qual é o meu maior sonho? – perguntou Carlinhos a Jonas.

-Não, qual é o seu maior sonho?

Carlinhos ficou contente, porque esperava a mesma pergunta do amigo; e teve-a. Feliz, Carlinhos respondeu:

-Ver as pessoas felizes, a paz no mundo, o fim das guerras religiosas, o fim da desigualdade, um mundo próspero, ruas bem cuidadas, pessoas educadas, vê as praias limpas, queria apenas um mundo justo para todos.

Jonas olhava-o com muito espanto, vendo-o com os olhos fixos no mar, sorridente, feliz por estar vivendo mais um dia de vida. Calinhos gostava muito de conversar, isso quando podia, porque vivia sempre trancado no quarto da tia.

Olhando o tremular das ondas, Carlinhos fala com o amigo:

-Olhe aquele garoto engraxando o sapato daquele homem, está perdendo sua infância!

-É a necessidade filho, obriga muitas pessoas a trabalhar cedo. Com ele não é diferente. Você sabe com quantos anos comecei a trabalhar? Onze, com apenas onze anos, já trabalhava no canavial.

Carlinhos ficou calado a olhar para o imenso mar de Copacabana, e refletiu um pouco sobre o que o amigo Jonas falara com ele, e disse; sem tirar os olhos do oceano:

-A vida tem dessas coisas. As injustiças sempre aparecem. Poucos nascem com muitos; e muitos nascem com muito pouco. Isso é inevitável, sempre haverá desigualdades.
E coçava as pernas frágeis, olhando para o céu que estava completamente azul.

Um helicóptero sobrevoava rasante o mar, para um resgate urgente.

-O Que está acontecendo? – perguntou uma senhora, que estava a beira do calçadão.

-Eu não sei – disse Jonas.

-Há uma menina desaparecida! Ela sumiu no mar já faz uns vinte minutos – disse um camelô.

-Ela está morta – disse Carlinhos.

-Como? – indagou Jonas.

-Eu já disse! Ela está morta – disse mais uma vez Carlinhos; com a voz dolorida e os olhos afogados em lágrimas.

Todos olharam para o mar, e viram a cena trágica: o corpo da menina boiando em pleno mar da zona sul.

Depois desse dia, Carlinhos prometeu nunca mais ir a praia, e exilou-se no pátio do condomínio, voltando a sua velha rotina: vendo as crianças brincarem no pátio...


Encerrado em 28 de novembro de 2009.

Autor: Sanderson Vaz Dutra.

domingo, 8 de novembro de 2009

"Tormenta no Bar"

Capítulo I


–Passe-me o conhaque Raimunda – disse Jamilson.

–É pra já!

–Traga-me também os salgados, que estão no forno.

–Está bem.

Ao canto do bar, três sujeitos a beberem cervejas em uma mesa retangular. Sobre a mesma, três garrafas, duas vazias e a outra pela metade. Ao ver Jamilson, um dos indivíduos berra:

–E a feijoada? Estou aqui faz séculos! – disse Bruno ao dono do bar.

–Está saindo – disse Jamilson calmamente.

O bar enchia cada vez mais! Fagner, que estava ao lado direito de Bruno, comendo-ia um ovo cozido; acompanhado de um geladíssimo copo de cerveja. Enquanto do lado oposto, estava Sanderson, a degustar uma coxinha de frango.

Num movimento automático, Sanderson pergunta ao Bruno:

–O Gilberto vem?

–Vem sim – disse Fagner respondendo pelo amigo, que estava destroçando furiosamente um
pastel de palmito.

–O Fernando e o Diego já devem estar por perto – disse Sanderson aos amigos.

Enquanto isso, no balcão, Raimunda servia os clientes; que estavam com os cotovelos apoiados no mesmo; a fumar cigarros de canela; deixando o ambiente ainda mais fétido. Raimunda passava pano úmido sobre a proteção de vidro, para tentar manter o bar limpo; e nem assim diminuía as impurezas do estabelecimento, que tinha as garrafas cobertas de poeiras; e os cantos das paredes; acumulando-ia teias de aranhas. Os banheiros então eram bem mais fétidos; também pudera; todos os fregueses usavam de maneira incorreta; ao invés de urinar na privada, o chão ou até mesmo a pia eram sempre as suas vítimas.

À portinhola de madeira que fica atrás do balcão, abre-se lentamente; e em seguida, surge um sujeito negro de avental branco encardido; pingando de suor e carregando uma enorme panela de feijoada. Deixou-a sobre a enorme pia de mármore branco, e passou uma toalhinha azul no rosto para secá-lo. Ao ver Jamilson no caixa, diz:

–Patrão, pode arrumar às tigelas, vou buscar a couve e o arroz.

–Está bem Rodrigo. Ah, traga também a farofa acebolada e da pimenta. E ande logo com as batatas fritas; os fregueses já estão impacientes.

–Sim senhor.

Na portinhola de madeira, surgem mais três fregueses: Gilberto, Carlinhos e Leandro. Gilberto é um sujeito magro, cabeludo e de poucas palavras. Leandro é carioca de Japeri, tem sotaque estranho de interiorano; é boa gente. Carlinhos é paraibano de João Pessoa; um homem de vida lenta; e que não vê o mundo real girar. Dedica sua vida aos jogos virtuais, e, dificilmente sai para ver o pôr-do-sol.

Enquanto Jamilson colocava nas tigelas à feijoada, crescendo-ia cada vez mais o movimento no bar; deixando-o ainda mais abafado.

Às moscas teimavam em aparecer nas mesas, porque deveras estavam sujas; meladas de restos de comida, porque Raimunda não passara o pano úmido. Rodrigo voltava da cozinha, a trazer o arroz, à couve e a farofa temperada com alho roxo e cebola.

Em uma enorme bandeja de alumínio, Raimunda levava oito tigelas de feijoada; deixando-as sobre a mesa, porque faltava Fernando e Diego, para completar a mesa. Ao pousar a outra bandeja de arroz e farofa na mesa retangular, via-se claramente o volume e a perfeição do seu corpo; mesmo com o enorme avental que lhe cobria. Lábios bem carnudos, cabelos longos até a cintura, olhos castanhos e um bumbum de dançarina de pagode!

Depois viera Rodrigo, trazendo batatas fritas, saladas, couve e pimenta. Vinha mais uma vez, transpirando sem parar, todo ensopado de suor:

–Aqui está às batatas e as saladas senhores – disse Rodrigo tirando a toalhinha úmida que
limpara o rosto anteriormente, para limpar a mesa ao lado.

–Traga-me uma Coca-cola de dois litros – disse Sanderson a Raimunda, que limpava agachada o chão do estabelecimento.

–Só um instante senhor.

–Tudo bem minha flor.

Raimunda saía com o cesto de lixo, pá e vassoura; na grande algazarra de clientes. A forte luz de nata iluminava o bar, que “estremecia” ao som da Bossa Nova! Ouvia-se o tilintar de copos, pratos, garrafas e talheres de metal. Raimunda voltava com os seios molhados de suor; deixando-a ainda mais atraente. Trouxera junto com a Coca-cola, uma jarra de gelo, porque o refrigerante não estava bem gelado.

Carlinhos, que estava ao lado de Leandro, disse:

–Essa Raimunda não é só boa de bunda hein!

–Mesmo com esse enorme vestido, esconde muita coisa – disse Fagner com um palito ao canto da boca.

–Eu não á dispenso! – disse Leandro, fumando prazerosamente um cigarro de hortelã.

–Ninguém aqui dispensa – completou Bruno, colocando um pouco mais de cerveja em seu copo.

–Eu dispenso – disse Gilberto, porque já era compromissado.

–Casar-me-ia com ela! – disse Sanderson, puxando do bolso um telefone celular.

–Porra! O Diego e o Fernando estão demorando muito – dissera Fagner, observando a beleza de Raimunda.

–Eles já estão aqui – disse Sanderson, apontando para entrada.
Ambos adentraram sorridentes, bem juntinhos; quase de mãos dadas, a reencontrar os amigos:

–Perdoem –me pela demora – disse Diego a todos – estava esperando o Fernando se arrumar.

–É pessoal, minha calça queimou no ferro de passar; esse foi o motivo do nosso atraso; perdemos alguma coisa? – perguntou Fernando, após a justificativa.

–Não – respondeu Bruno.

–Sentem-se – disse Gilberto para ambos, que permaneciam de pé.

–Não tem colher não? – indagou Fernando.

–Não sei – respondeu Leandro.

–O bar está cheio, dificilmente chegaremos ao balcão – disse Diego.

–Coma de garfo mesmo! – disse Sanderson.

–Eu não sei! – disse o pobre Fernando.

–O quê?! – espantou-se Diego inconformado.

Todos caíram na risada.

Fernando ficara corado, já estava arrependido de ter revelado o seu segredo; e, ironicamente, Sanderson diz:

–Se quiser, eu te ensino!

–Vai se lascar! – respondeu Fernando furioso.

Todos riam de se acabar, quase a deitarem no chão imundo! Fagner ria tão alto, que chamava a atenção dos clientes; pelo fato de estar quase sem fôlego, com as mãos na barriga, porque doía muito.

Após uma pequena pausa, Raimunda viera com três colheres. Uma era para Fernando, e as outras eram para a mesa ao lado. Após entregá-la ao Fernando, Fagner diz:

–Raimunda, ensine a este garoto – disse Fagner apontando para Fernando – a comer de garfo.
Todos riram um pouco mais, até a pobre mulher, que já estava exausta de tanto se movimentar. Pois bem.

Desgustando-iam à feijoada, alegres, num gosto sublime de tempero e perfeição! Ouvia-se a pressão do gás da Coca-cola, que fora aberta pelo Diego; de-li-ca-da-men-te.

Com a boca cheia de farofa, e garfo e faca em mãos, Bruno sorrindo-ia de contentamento; a estar vivendo um dia de glória com os amigos. Carlinhos separava as cascas de alho, que viera na couve, e lambia a boca do copo; aproveitando a cerveja até a última gota. Com a cara no prato e o peito sujo de caldo de feijão, Leandro chupava o ossinho; e, mordia o nervo algumas vezes, na esperança de extraí-lo. Diego colocara na boca, um pedaço enorme de linguiça; sem tirar os olhos do suculento prato! Fernando comia triste; porque soubera da morte do cãozinho de estimação. Fagner colocara um pouco mais de couve ao prato; para dar um pouco mais de gosto a refeição. E Sanderson derramava feijão sobre o arroz parboilizado, que deveras, estava bem temperado; assim como a feijoada.

Era sexta-feira, início das festividades de carnaval.

Curioso, Bruno pergunta ao Gilberto:

–Qual fantasia você usará amanhã?

–Não comprei fantasia – respondeu Gilberto pondo um pouco mais de pimenta ao prato.

–Eu vou sair de vaca – disse Carlinhos limpando os lábios com um pedaço de guardanapo.

–Eu vou sair de Demônio – disse Sanderson com um sorriso maquiavélico.

–Eu vou sair de Manjubinha – disse Fagner olhando algumas mulheres da mesa ao lado.

–Manjubinha? – perguntou Fernando sem entender o por quê.

–Vou sair de ninja – disse Diego alisando sua enorme barriga cabeluda.

–Tu de ninja? Ta de sacanagem! – ironizou Leandro.

–O que tem demais? – perguntou Bruno ao amigo.

–O que tem demais? Olhe pra isso! – disse Leandro ao Bruno e ao mesmo tempo, apontando para o pobre Diego.

Diego ficara calado e furioso, e disse na raiva suprema ao Leandro:

–Me pergunte qualquer coisa de Matemática que eu te respondo!

–?

Ficara apenas uma incógnita na cabeça de Leandro, não entendendo a loucura do amigo. Os outros ficaram sem entender Diego; que estava com muita raiva.

Para não “alimentar” a discussão, Bruno desviara o foco de ambos, e perguntara Fernando, se ele havia comprado a fantasia para o carnaval.

–Não, não comprei fantasias.

–Não gosta de carnaval Fernando?

–Não, não gosto de carnaval. Prefiro passar o restante do dia lendo ou aqui com vocês.

–Está certo – completou Gilberto puxando um maço de cigarros da maleta.

–Peça mais cervejas – disse Bruno ao Carlinhos.

–Raimunda! – bradou Sanderson antes de Carlinhos.

–Sim senhor. Pois não?

–Traga-me mais três cervejas meu anjo.



Capítulo II


E a mulher fora apressada em direção ao balcão, com uma bandeja de pratos vazios ao colo. Mas, um sujeito que fumava charuto na mesa central, a frente da mesa de sinuca, levantara-se de súbito; justamente no momento em que a pobre mulher passava. Jogara a bandeja involuntariamente para cima, causando um grande estrondo com a queda dos pratos; que despedaçavam ao caírem ao chão. Todos olharam assustados; Raimunda coitada estava pasma! Recolhia os cacos dos pratos e das garrafas, que também estavam sobre a bandeja. O sujeito, achando-se na “razão”, disse para pobre mulher:

–Sua estabanada! Preste mais atenção nas coisas sua tonta!

–Desculpe-me senhor, não foi minha intenção...

–Olhe! Você sujou toda a mesa! Sua vaca! – disse o sujeito mais enfurecido.

–Abaixe o tom da sua voz cavalheiro! – disse Bruno inconformado.

–Não se meta aqui babaca!

–Como é?! Você me chamou de babaca?

–Isso mesmo! E é melhor ficar aí quietinho como um cão manso hein!

–Deixe isso pra lá Bruno – disse Diego pondo as mãos no ombro do amigo e conduzindo-o de volta a mesa.

Aproximando-se de Raimunda, Sanderson lhe pergunta:

–Está tudo bem com você meu amor? – perguntou gentilmente.

–Está sim moço.

–Fique calma, não foi sua culpa, todos nós vimos claramente. Se houver qualquer problema, conte comigo e com os meus amigos.

–Obrigada moço.

E Raimunda voltava para o balcão, após jogar os cacos no lixo. Rodrigo viera em seu lugar trazer as cervejas, com seu péssimo hábito de suar o nariz na frente dos clientes; enquanto Raimunda conversava com Jamilson no balcão. Via-se claramente o nervosismo da pobre mulher, que estava mais branca que a nata do leite.

Os olhos da cabeça do boi, que estava presa na velha parede brilhavam com a forte claridade da luz do bar.

Enquanto isso, no lado de fora, três vira-latas olhavam à máquina de assar frango; famintos, a salivarem pela suculenta carne! Outros bares, bem mais modernos funcionavam com menos movimento; porque, mesmo com tanta tecnologia investida, não tinham tantos fregueses como Jamilson; que é considerado por eles o “O Demônio de Agostinho Porto”.
Raimunda voltava com duas bandejas de sardinhas fritas, a servir o grupo de amigos de Sanderson, enquanto na mesa central, o mesmo sujeito, que esbarrara na pobre mulher gritava desnecessariamente:

–Cadê o meu tira-gosto?

–Já está saindo – disse Jamilson lá do balcão; já impaciente com o homem que já falava muitos palavrões.

O sujeito da mesa central estava acompanhado de cinco amigos; todos conversavam tranquilos, fumando cigarros e jogando dama.

Raimunda trazia o tira-gosto até eles, após deixar uma das bandejas na mesa dos amigos de Sanderson, e, levava a outra ao sujeito; ainda amedrontada, pela arrogância do homem.

–Aqui está senhores – disse Raimunda gentilmente aos cavalheiros.

–Vem cá mulher – disse outro homem, que estava na mesma mesa.

–Pois não?

–O que eu faço para tê-la em meus braços?

Raimunda ficara corada, sem reação alguma; retirou-se rapidamente levantando a saia do vestido que arrastava no fétido chão.

Ao canto do bar, Fernando estava triste; sem saber por quê, e limpava o suor da testa com a toalhinha azul; que ganhara de lembrança da falecida mãe. Fagner sorria para Leandro, que contava uma anedota engraçadíssima! Bruno conversava com Sanderson, sem tirar os olhos do sujeito; que já estava a falar bobagens para as mulheres; enquanto Diego, Carlinhos e Gilberto ainda comiam prazerosamente!

–Deixe isso pra lá meu amigo – disse Sanderson ao Bruno, que pusera o copo na boca; para saborear a deliciosa cerveja espumante!

–É deixe isso de lado – completou Diego, que estava com um palito entre os dentes, para retirar os pedaços de carne-seca.

O copo de vinho do sujeito já estava pela metade. Era o quarto copo; e, degustava com os amigos as sardinhas fritas; as quais Raimunda trouxera. O sujeito já estava sofrendo com o efeito do álcool; e ficava cada vez mais abusado.

Quando Raimunda passava entre as mesas, o maldito homem esticara as pernas propositalmente; justamente na hora em que a pobre mulher passava; derrubando-a sobre o fétido chão.

–Sua louca! – gritou o sujeito novamente sem razão, pondo-se de pé.

Enfurecido, Sanderson levanta-se do banco para ajudar a pobre mulher novamente, que se levantava triste:

–Você está bem Raimunda? – perguntou Sanderson gentilmente à pobre mulher mais uma vez; segurando-lhe as mãos.

–Não senhor, meus joelhos estão doloridos!

–Sente-se Raimunda, aquele homem há de lhe pedir desculpas! – disse Sanderson puxando-lhe uma cadeira de uma mesa vaga, para pobre mulher.

Nervosa, e segurando as mãos de Sanderson, Raimunda lhe implora:

–Senhor Por favor, não faça nenhuma loucura! Deixe isso pra lá!

–Não Raimunda, você não merece isso.

E, retirou-se, dando-lhe um beijo na testa, indo em direção ao sujeito, pois, deteve-se; quando viu Bruno e Fagner defrontes ao grupo do sujeito:

–Peça desculpas! – disse Bruno com muita impaciência!

–Saia daqui! – disse outro homem de chapéu; que estava ao lado do individuo fumando cachimbo.

–Cale-se! – disse Fagner ao homem.

–Eu não vou pedir desculpas a essa ordinária!

–Veja lá como fala senhor! – disse Sanderson enfurecido com o sujeito, apontando-lhe o dedo.

–Eu falo o que eu quero falar! Já estou cheio de vocês!

E pegou uma das garrafas vazias de cerveja, e arremessou-a contra o Fagner, fazendo-a explodir em seu rosto.

Num movimento automático, Bruno dera-lhe um soco certeiro no rosto, derrubando-o sobre a mesa ao lado pelo forte impacto; porém, de súbito, outro homem de dentes podres quebrara uma cadeira nas costas de Bruno. Vendo ao longe o amigo debruçar-se ao chão, Sanderson pulou em uma das mesas; e da mesma voara com os pés; acertando o peito do sujeito, que fora parar embaixo da mesa de sinuca.

Preocupado com o amigo, Sanderson agachou-se para socorrê-lo; mas fora atingido fortemente na cabeça. Caíra inconsciente.

Raimunda via tudo aflita, não sabia o que fazer! Chorava de nervosismo! Estava trêmula na cadeira de madeira; segurando firme um crucifixo de madeira entre os seios.

A briga já estava generalizada. Voava pratos e cadeiras a todo instante. Leandro, que vigiava Bruno e Sanderson que estavam inconscientes olhava tudo como um “Demônio”, que conduz a pobre alma ao inferno! Carlinhos e Gilberto estavam trocando socos e cadeiradas juntos com o Fagner; que estava furioso; enquanto Diego e Fernando amedrontados, ficaram todo tempo embaixo das mesas.

De repente, surge um homem de cabelos grisalhos e vestido com o uniforme da policia, a abrir a portinhola. Bradou para que o tumulto parasse, mas, não teve sucesso. Vendo que não adiantava, sacou da cinta a arma, e efetuou um disparo para cima. Todos se assustaram; e o silêncio voltou a predominar no ambiente. Vendo o bar todo destruído pelo vandalismo, o homem pergunta:

–Ora, ora! Senhor Jamilson, pode me dizer quem começou o tumulto?

–Foi este senhor delegado.

–O que faz aqui Evandro? – perguntou o delegado ao sujeito.

O sujeito nem se aguentava de tão bêbado que estava. Evandro é justamente o sujeito causador de toda a tormenta!

–...

Não respondera uma só palavra ao delegado Simon, que conhece todos os envolvidos na tormenta; deixara apenas reticências!

–Vocês irão acompanhar-me até a delegacia – disse Simon a Evandro e seus amigos.
Após a calmaria, Raimunda aproxima-se de Sanderson, que já estava sentado em umas das cadeiras que sobraram no estabelecimento; com uma toalhinha branca na cabeça que estava ferida.

–O senhor está bem? – indagou Raimunda pondo as mãos calejadas no rosto de Sanderson.

–Sim, com você ao meu lado estou bem melhor! – disse Sanderson à Raimunda, que o abraçava com todo carinho.

No balcão, Jamilson lamentava os prejuízos causados pela tormenta; mas, todos que participaram da confusão, se comprometeram em arcar com parte dos prejuízos; que deveras, eram muitos.

–Fico muito feliz em saber disso – disse Jamilson com lágrimas nos olhos de contentamento “infinito”.

E, vendo Rodrigo limpando o fétido banheiro, ordenou-o imediatamente:

–Rodrigo, limpe tudo isto já!

–Mas, patrão eu...

–Raimunda está apavorada coitada! E além do mais, você não apareceu na hora da tormenta.

–Sim senhor – disse Rodrigo, transpirando bem menos que dantes.

–Vocês me decepcionaram! Nunca mais façam isso! – disse Leandro para Fernando e Diego; que na hora da tormenta, se abrigaram embaixo de uma das mesas.

O silêncio voltava a imperar no ambiente, ouviam-se apenas poucas vozes e restos de vidros quebrados; que eram varridos por Rodrigo, com uma velha vassoura de palhas secas. Todos aos poucos se retiravam do Bar do Jamilson, deixando-o ainda mais morto!

Jamilson surpreendentemente dispensa Raimunda, devido aos problemas que a pobre mulher sofrera no bar. Raimunda agradecia ao patrão beijando-lhe diversas vezes as mãos; enquanto Rodrigo varria furioso o chão impuro!

–Vamos para a minha casa senhor, você está sangrando muito! Venha comigo, eu cuido de você.
E, beijou-lhe a boca amorosamente, ao mesmo tempo acariciando-lhe o rosto.

–Melhor remédio que este não há! – disse Sanderson saindo de mãos dadas com Raimunda.
Levantou-se apoiando em uma das poucas mesas que permaneciam intactas; despediu-se dos amigos e fora embora com Raimunda.

Os outros também foram mais cedo, seguindo em direção as suas moradas!
O bairro de Agostinho Porto já dormia na noite enluarada; estava morto, literalmente morto; pela escuridão sombria...

Ouviam-se apenas zunidos de carros na Avenida Presidente Dutra; e alguns latidos dos cães insuportáveis que vagavam em plena madrugada; nas ruas mortas e desertas!
Após este terrível incidente, os amigos resolveram marcar encontros somente na praça, para evitar novos confrontos. Sanderson, três meses depois do incidente passou a morar com Raimunda; porém, não abandonou os amigos de infância! O Bar do Jamilson para todos eles, inclusive Raimunda, que pedira demissão; havia morrido; todos queriam esquecer aquele maldito “inferno” na Terra!

Um ano e meio depois da tormenta, o estabelecimento fora vendido para um pastor, que surpreendentemente transformara-o em igreja após quatro curtos meses. E dizem que dízimos não fazem milagres!

Com o dinheiro da venda, Jamilson pagou as contas ao Rodrigo e o restante que devia à Raimunda. Voltou a viver na velha fazenda de Miguel Couto, distante da cidade grande. Agora sossegado; somente a ouvir o canto dos pássaros; vendo os gados pastarem na enorme fazenda, deitado na relva marroquina; comprada no camelódromo da Uruguaiana. E, olhando para o lago, onde sua mãe Larissa costumava lhe dar banho, disse suas últimas palavras:
–Voltei para o lugar de onde nuca devia ter saído. Volto ao meu paraíso, onde estão as minhas boas recordações! Porém, fui feliz na cidade grande, onde fiz novas amizades. Vi que o mundo não é só vacas e galinhas, é bem mais que isso! Mas, é muito extenso, não quero continuar andando, quero apenas aproveitar meus últimos dias de vida nesta bela fazenda; bem longe da violência urbana!...


Encerrado em 25 de fevereiro de 2009.
Escrito por: Sanderson Vaz Dutra

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

"A Dançarina"

A Dançarina


Uma mulher dançava caprichosamente num bar tradicional de Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, sobre uma enorme mesa de granito bem polido. A beleza e sensualidade do seu corpo envolviam os homens facilmente; pela elegância e perfeição de sua habilidade corporal. Suas pernas eram absurdamente grossas, os seios extremamente exagerados; tanto é que, os sutiãs que usava durante os shows arrebentavam com frequencia.

Quando isso acontecia jogava para os homens que enlouqueciam ainda mais, com aquela peça íntima. Colocava às mãos para tapar os seios, somente para fazer “suspense”; pois, logo tirava as mãos, porque fazia parte do show! Somente de calcinha, agachava-se com o dedo indicador na boca; a tirar o fôlego dos homens com a sua ousada apresentação. Acariciava uns, enquanto outros depositavam notas de alto valor em sua calcinha; eram recompensados com beijos ou “abençoados” com o calor dos seus seios enormes!

Quando o show terminava, muitos pediam numero de telefone, e-mail e convites mais ousados. Descia da enorme mesa com a ajuda dos seguranças, que de quando em vez tinham um árduo trabalho para conter os mais exaltados.

Vestia o enorme casaco ao entrar no camarim, e era sempre bem recepcionada pelas companheiras de trabalho, e logo seguia para o banheiro, para tirar o suor do corpo e purificar-se com a água pura e cristalina. De banho tomado, pegava carona com uma das amigas; que morava no mesmo bairro. Iam bem descontraídas como de costume, beirando o fantástico litoral carioca, vendo as ondas estourar violentamente nas enormes rochas da praia de São Conrado!

Já estavam em Botafogo, após vinte e dois minutos de trânsito livre. Passavam pela praia de Botafogo, já muito poluída pelos excessos extremos de lixos jogados pelos próprios banhistas.

O céu já estava claro, o trânsito era excelente, também pudera: era um dia de sábado. O veiculo entrava em uma pequena vila com algumas dezenas de casas, e às “guerreiras da noite” descem; e seguem num pequeno corredor estreito. A dona do carro entra na casa 20, já a outra entra na casa 28.

A mulher da casa 28 entra com muita cautela, para não acordar os filhos, que dormiam profundamente; a sonhar com os anjos! O menino de sete anos de vida usava uma toca azul; de um famoso personagem de desenho animado. A menina tinha poucos meses de vida, estava no berço de madeira, com alguns bichinhos de pelúcia. Deu beijo de bom dia nas crianças; e foi descansar. Estava exausta, porque trabalhou a noite inteira; queria apenas algumas horas de descanso.

Dormiu pouco, porque foi acordada pela algazarra dos vizinhos. Foi acordada pelas crianças que brincavam no pátio da vila. Abriu os olhos e deparou-se com o ventilador de teto que estava desligado; quando repentinamente uma borboleta adentra no quarto; a pousar em uma das suas dezenas de plantas.

Alegrou-se um pouco com a bela cena que via, levantou para preparar o café da manhã.
Jaime estava na sala jogando vídeo game, Pâmela ainda dormia de bruços. Quando viu a mãe passar pela sala, pausou o jogo, e correu para abraçá-la:

-Mamãe!

-Oi filho! Cuidou de sua Irmã?

-Sim!

-Como foi o dia na escola?

-Foi chato – disse Jaime fazendo cara feia.

-Por que filho? – perguntou a mãe curiosa.

-Porque a tia Talita não deixou ninguém brincar no computador – disse Jaime triste.

A mãe apenas olhava o filho triste, sem expressar nenhuma palavra. Sentia-se culpada por não ter condições de comprar um computador para o filho, que tanto lhe ajuda cuidando da irmã. Segurando firme uma das mãos de Jaime a mãe diz:

-Filho, quando a mamãe puder, compra um só pra você e para Pâmela. Mamãe está se esforçando filho, pra cuidar de você e sua irmã. Vou preparar a mamadeira da Pâmela.

-Eu sei mamãe, eu espero.

-Vem cá filho.

A mãe chamou o pequeno Jaime, abraçou-o com todo cuidado; e disse palavras dolorosas:

-Filho, se papai estivesse aqui, não estaríamos passando por tudo isso. Sinto todo santo dia a falta dele; e sei que você sente mais ainda. Mas, temos de ser fortes, resistir, lutar filho, lutar sempre. Conto contigo meu bem, você agora é o homem da casa! Perdoe-me filho, de colocá-lo nesta situação tão difícil!

A mãe chorava compulsivamente nos pequenos braços do filho, que naquele momento não fazia
ideia do sofrimento eterno da mãe.

-Mãe to com fome – disse o pequeno Jaime sem maldade.

-Mamãe vai preparar o chocolate pra você meu filho – disse indo em direção a cozinha; ainda sonolenta.

Jaime gostava muito de chocolate ao leite, e a pequena Pâmela, era alimentada somente com leite puro. Pegou um bule velho de alumínio, pusera três xícaras e meia de água para ferver; e colocou um pouco de pó de café no coador de pano.

Ainda cedo, mais ou menos 09h45min ou 10h15min da manhã. Foi até o banheiro lavar o rosto e escovar os dentes, enquanto a água fervia.

O dia passava lento, o ruido do som da televisão lhe causava estresse, mas o barulho da água que caía da torneira da pia fazia-lhe bem; porque se imaginava com os filhos em uma bela cachoeira! Porém, esta rápida reflexão trazia-lhe saudades de outros tempos.
Por um momento lembrou-se do companheiro que lhe deixara alguns meses atrás. Foi um belo dia de verão, Elisa estava grávida de Pâmela, Jaime tinha seis anos.

Estavam de férias em um belíssimo paraíso ecológico na região serrana, a degustar da vida; a banharem-se na lindíssima cachoeira! Paulo, companheiro de Elisa, estava brincando com o pequeno Jaime, nas leves correntezas da cachoeira. Paulo tinha dez anos a mais que Elisa, sua fiel companheira. A relação entre eles era fantástica, nunca brigavam, estavam sempre de bem um com outro.

Todos faziam um pequeno lanche no jardim que beirava a cachoeira, quando repentinamente ouviram um estrondo enorme; vindo das rochas gigantescas. Ao olharem para cima, viram pedras enormes rolarem das imensas montanhas; e correram apavorados para um local seguro.
Todos estavam salvos, e descansavam em um local seguro. Mas, uma mulher que estava na multidão gritava desesperada pela filha. Vendo o desespero da mãe Paulo correra novamente em direção ao perigo natural. Elisa assistia tudo de longe, vendo o marido atravessar a cachoeira rochosa, que estava quase intransitável. Num pequeno descuido de Paulo, uma das rochas tremera levemente; fazendo-o escorregar bruscamente. Ficou preso entre as rochas, com um ferimento grave na cabeça; que estava sedenta de sangue.

A fatalidade fora tão rápida, que nem dera tempo de Elisa buscar ajuda. Isso porque viera em seguida uma fortíssima avalanche de água.

Elisa viu tudo aquilo, ao lado do filho Jaime, sem poder fazer nada, porque estava grávida de Pâmela. O pequeno Jaime chorava, chorava, chorava... Porém, nem mesmo as lágrimas de uma criança são capazes de salvar uma vida nessas circunstâncias.

A cachoeira transbordava rapidamente, engolindo-o por completo. Paulo sumiu em meio às correntezas. Aquela foi à última vez que, Elisa e Jaime viram Paulo, que morrera nas fortíssimas correntezas da mãe natureza, que estava em fúria!

A água toca levemente o fogo, fazendo um pequeno ruido e despertando-a daquela terrível lembrança de tempos de outrora. Pusera mais uma xícara no bule, para enchê-lo um pouco mais.

Pâmela acordou chorando de fome, Jaime ainda jogava na sala enquanto Elisa fazia o café da manhã. Levou a mamadeira para a filha, e pediu ao filho que vigiasse a irmã. Ainda estava sonolenta, mas o aroma do café lhe fazia bem, o cheiro estava agradável! Colocou apenas meia colher de açúcar na xícara, e derramou lentamente o liquido negro, que deveras estava bem forte.

Com Pâmela no colo, sentou-se no sofá da sala a olhar para janela, e ver o lindo dia de Sol. Pronto, estava novamente com os filhos; na sua paz sublime, a olhar para as suas crias; e lembrar-se das boas recordações que tivera em outros bons tempos!

Elisa não é somente dançarina, é também, mãe e pai de família, que sustenta os filhos a todo custo. Sua profissão é vistas por muitas pessoas como prostituição. Porém, essa foi à única maneira que encontrou para sustentar os filhos. E escolheu essa, pelo alto valor financeiro que a mesma lhe proporciona.

É dessa forma que ela sustenta os filhos, e não tem vergonha, porque também é uma profissão. Independentemente da profissão, e muito menos para que os outros pensavam, Elisa estava satisfeita; vendo o sorriso estampado no rosto das crianças; isso era o mais importante: ver a felicidade dos filhos; e nada mais...

Encerrado em 13 de agosto de 2009
Escrito por: Sanderson Vaz Dutra.