sábado, 17 de outubro de 2009

"Noite Infeliz"

Noite Infeliz


Era noite de véspera de natal na casa de D. Damiana, uma simples dona de casa, avó de três netos, que ganhara do filho mais velho e da filha mais nova. D. Damiana, de tantas primaveras e mãos calejadas, cabelos brancos e amarelados. Tinha pele escura como à visão de um cego; olhos verdes claros e um rosto enrugado; castigado incansavelmente pelo tempo; que jamais lhe perdoara...

Estava alegre, porque enfim, toda a família estava presente, para festejar mais um dos dois mil e tantos anos do nascimento do menino Jesus!

Damiana estava com os três netinhos: Fábio e Julho; filhos de Mário; e Rodolfo, filho de Ana Paula. Todos estavam na sala, sentados num sofá vermelho que fora comprado num velho brechó; que é bem conhecido naquele pobre bairro da baixada fluminense, no Rio de Janeiro.
A vovó Damiana estava feliz, muito feliz! Olhava os três meninos, admirada e orgulhosa; porque eram fortes e bem viris! Além dos familiares estavam presentes o genro e a nora, que participavam desta bela ceia de natal!

A humilde mesa já estava arrumada: castanhas, uvas verdes, rabanadas, avelãs, maçãs, pudim, canjica, doce de coco, chester, molho a campanha, arroz com legumes, farofa temperada com passas, estrogonofe e outras coisas.

Os adultos conversavam na pequena sala, enquanto as crianças brincavam no quarto com o computador, navegando na internet.

D. Damiana estava ansiosa, porque faltava apenas cinco minutos para meia-noite. As crianças vinham eufóricas, alegres e sorridentes!

Talheres, guardanapos, pratos, tudo sobre a mesa farta; naquela noite especialíssima de natal. Pequenos enfeites estavam espalhados pela casa: árvores artificiais, bonequinhos de Papai Noel, lâmpadas coloridas e cartões musicais.

O relógio de parede “grita”, era exatamente meia-noite, enfim o natal chegou! D. Damiana era cumprimentada pelos netos, filhos, genro e nora. Enfim, depois de tantos anos, desde a morte de Francisco, velho companheiro de D. Damiana, a família não se unia para festejar o dia sagrado de 25 de dezembro; o dia do nascimento do menino Jesus!

D. Damiana se comovia a lembrar do velho companheiro, que sempre alegrava o ambiente; brincando com os netinhos e contando algumas anedotas aos filhos, genro e nora. Olhava para velha cadeira de balanço vazia; a qual já estava empoeirada; a mesma onde o velho Francisco descansava e assistia às suas partidas de futebol; uma das suas maiores paixões!
Duas lágrimas brotaram discretamente dos velhos olhos de D. Damiana, que chorava sozinha, sem esconder sua dor eterna. Mesmo assim a tristeza e a alegria caminhavam lado a lado, pela presença dos familiares e a ausência de Francisco. Ana Paula, percebendo as lágrimas da mãe, levantou-se levemente; para dar-lhe um caloroso abraço; e recebia nesse momento, o carinho de toda a família.

Todos oraram pelas as almas das pessoas que se foram; de olhos fechados, mãos dadas e coração aberto. Nesse momento o silêncio imperava, enquanto todos conversavam com Deus; agradecendo ou pedindo perdão; pelos infinitos pecados cometidos. Continuaram rezando por mais três curtos minutos.

Aos poucos, alguns abriam os olhos; enquanto outros continuaram a conversar com Deus. Ana Paula fora a penúltima a terminar a oração, porque D. Damiana continuara...
Estava com o rosto calmo, parecia estar sonhando acordada; porque a felicidade reinava aquele ambiente puro de amor! A pobre senhora que tanto esperara este momento único, depois de todos esses anos, estava feliz, em ver todas as pessoas mais importantes para sua longa vida, estava satisfeita.

Damiana continuava com os olhos fechados, isso após cinco, depois de a filha Ana Paula, terminar sua oração. Preocupado, Mário chama pela mãe, e não recebe respostas. Rodolfo, o neto caçula chama pela avó, sacudindo-a pelo braço, que estava gelado. As mãos que estavam juntas separaram-se bruscamente; jogando os braços para baixo: D. Damiana estava morta.
Todos choravam incansavelmente, a perda inesperada de Damiana, que se despedia para sempre dos seus entes queridos!

A última noite foi maravilhosa para D. Damiana, porque estava com todas as pessoas mais próximas ao seu coração. Porém, os familiares, infelizmente; guardarão para sempre essa triste lembrança; que fora para eles à noite infeliz...


Encerrado em 20 de junho de 2009.
Autor: Sanderson Vaz Dutra

4 comentários:

Vandinha disse...

Coitada, morrer em uma noite de Natal e ainda rezando.
Mas a descrição da comida me deixou com fome... rsrsrs.... Sério...
Vou lá fazer um lanchinhao... rsrsrs..

Sanderson Vaz Dutra disse...

É Vandinha, foi demais pra ela. Quanto a descrição da comida, estava com fome enquanto escrevia rsrsrs... Que nada, é brincadeira. Mais uma vez obrigado pela leitura e pela visita!

AlsSilvaArtesCrochê disse...

Lendo essa história, lembrei de minha Vô Ana, ela tem 98 anos, e 12 filhos vivos de 16 que teve. Não sei quantos netos, bisnetos, tataranetos ao todo. Ela nunca teve a família toda reunida, acho que aconteceria o mesmo com ela caso isso fosse possivel. Quem sabe se ela chegar ao cem, a gente se uni e aluga o maraca e reune a família pra festeja. Gostei muito. Beijos!!!

Sanderson Vaz Dutra disse...

Verdade Ana Lúcia, pessoas nessa faixa etária de idade, quando ficam sem ver parentes, convivem o tempo todo com a solidão. Por isso, que muitos procuram asilos, porém, em alguns casos, as próprias famílias renegam seus velhos pais; que tanto fizeram por eles... Tinha tudo pra ser a noite mais feliz de todas, mas, infelizmente, o velho coração de Damiana não aguentou.

Leve sim Ana, será bom para ela, e para toda sua família. Porque os melhores momentos, aproveitamos em vidas; quando morremos, lamentamos de não termos feito tantas coisas...
Obrigado pela leitura e pela visita no meu blog, ou melhor, nosso blog.