segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Um Dia Antes da Morte"

Estar num leito de hospital sabendo que você tem apenas vinte e quatro horas de vida não é fácil. Por isso resolvi desobedecer às orientações médicas e passear pela cidade.

De que adianta de tanto dinheiro, sabendo que morrerei em menos de vinte e quatro horas, de uma doença rara que a medicina não conseguiu identificar?
Quero ao menos ver as coisas belas que cercam este meu pequeno mundo antes de morrer, ver este jardim repleto de flores e as crianças nadarem no lago, olhar o palhaço tirando um sorrido de uma menina pobre, solitária num canto, numa situação incomum diante das outras. Chamei-a para um passeio, aliás, meu último passeio.
No meio do caminho, comprei dois sorvetes, o meu era de creme, o dela de morango. Por curiosidade, perguntei:

-Por que você está sozinha? Quantos anos você tem?

-Eu não tenho família. Vivo nas ruas. Tenho oito anos.

-Você tem parente?

-Não.

Abri um leve sorriso, vi que antes da minha morte poderia fazer alguém feliz:

-Você quer ter uma família? Tenho uma filha maravilhosa que pode ser sua irmã.

-Então o eu vou ganhar uma irmã? O senhor vai ser meu papai?

Estas últimas palavras foram dolorosas:

-Eu queria filha, mas não posso.

-Por que não.

Nossa! A curiosidade das crianças parecem não ter limites:

-Porque o papai do céu “tá” lá encima me esperando.

-Então eu vou com você. Quero conhecer o papai do céu.

Eu não esperava palavras sentimentais tão fortes de uma menina de oito anos, confesso que daria qualquer coisa para ver o futuro dela:

-Escute querida – enxuguei uma das lágrimas, e continuei: – qual o seu nome?

-Sabrina.

-Que nome bonito! Eu me chamo Alberto. Sabrina, papai do céu me chamou porque ele quer que eu more nas nuvens. Ainda está muito cedo para você conhecer o papai do céu.

-Mas eu queria ver ele. Minha amiga me disse, que a mamãe e o papai estão lá. Eu quero ver o papai e a mamãe.

É duro mentir para as crianças, mas é necessário:

-Está vendo aquela nuvenzinha lá no céu? Seus pais estão lá de olho em você, e me pediu para levar você para passear. Lembra do sorvete de morango? Foi mamãe que mandou comprar pra você. O papai pediu que eu te desse uma família. Você quer ter irmã e mãe?

Sabrina olhou-me desconfiada, mas aceitou.

-Quero.

-Vamos tomar um banho quando chegarmos a sua casa nova. Lá tem muitos brinquedos.

-Oba!

Atravessei à principal e entramos no apartamento. O relógio de ponteiro do Francisco marcava 18h30min, restava-me apenas seis das minhas 24h. A porta estava aberta, todos estavam preocupados pelo meu sumiço:

-Pai! Estávamos preocupadas! Por onde o senhor andou?

-Estava cuidado desta menininha Sara, onde está a Laura?

-No quarto. Quem é esta menina?

-É uma curta história. Chame sua mãe Sara, quero conversar com vocês...

-Alberto! Por onde andou? Procurei-te no hospital o dia inteiro! Quem é esta anjinha? – perguntou enfim Laura, acariciando os cabelos da menina?

-Sabrina, nossa nova princesinha.

-Ai que gracinha! Vem cá, vou te dar um brinquedinho – Sara levou Sabrina até o quarto, deixando a sóis Laura e Alberto.

-Só tenho mais quatro horas e meia de vida. Quero lhe fazer um último pedido Laura.

-Claro meu amor! Qual?

-Quero que cuidem dessa menina como se ela fosse nossa segunda filha. Vocês (Laura e Sara) têm que conhecê-la! Ela é uma criança maravilhosa! Sabe Laura, por alguns momentos esqueci até que tinha apenas algumas horas de vida.

-Você e sua sensibilidade hein – brincou Laura.

-É. As mentes das crianças são incríveis! Parecem estar mais evoluídas!

-Elas são mais espertas Alberto, não são como outrora.

-Como queria ter conhecido antes a Sabrina! Bem, já estou indo...

-Espera Alberto! Não vai se despedir das meninas?

-Claro meu bem, mas não sei se terei forças para suportar.

Já estava respirando com dificuldades, porém, fiz um esforço para esconder tudo delas. Subir os degraus foi um martírio, algo tão simples tornou-se um inferno. A porta do quarto estava encostada, Sara lia um livro de contos para prova da faculdade, e Sabrina dormia como uma princesinha:

-Sara.

Era a última vez que falava com minha filha, vi a tristeza através dos seus olhos.

-Pai...

Doeu demais ver Sara aos prantos diante dos meus olhos, fato tão forte que tirou lágrimas de Laura. A duas abraçaram-me forte, beijaram meu rosto diversas vezes. Era o que precisava para encarar a morte: calor humano. Surpreendentemente, sinto uma pequena criatura abraçar minhas pernas. Adivinha quem era? Sabrina. Desatei por uns segundos de Laura e Sara, e peguei Sabrina no colo e disse:

-Sabrina, eu sou o seu anjo da guarda! Vou voltar para junto dos seus pais. A Laura será a sua mamãe, e a Sara a sua irmã. Promete respeitá-las?

-Prometo.

-Lembra daquela nuvenzinha que vimos hoje?

-Lembro.

-Pois é? Amanhã estarei lá. Escute Sabrina: vou morar no céu, mas você tem que prometer não chorar tá?

-Tá... Mas vou sentir sua falta.

-Eu também vou sentir sua falta. Seja forte! Você tem que cuidar da Sara e da Laura! Principalmente da Laura. Adeus minhas princesas. Estarei naquela nuvem branca Sabrina! Se quiser falar comigo, converse com as aves, que irão voar até lá só para levar sua mensagem.

Dei um beijo de despedida em cada uma delas, e voltei para o hospital. Até que o último dia antes da minha morte não foi ruim, adorei conhecer Sabrina, a pureza da criança é mesmo um mistério! Que lugar triste! Está tão escuro... Acho que chegou a hora... A hora da minha morte.

2 comentários:

Vandinha disse...

Que triste.

Sanderson Vaz Dutra disse...

Oi, Vandinha! Como sempre visitando meu blog. Obrigado mais uma vez pela visita. Fazia um tempo que eu mesmo não vinha aqui rsrsrs. Beijos!